Tudo que o poeta via era anúncios absurdos, denúncias da patologia de quem é surdo à poesia, regados a hipocrisia e egoísmo (não se engane: poesia é altruísmo e verdade; se não for, entra em pane, perde a cor, não dura, e mergulha no abismo da falsidade, da amargura, da falta de integridade).
 
E tudo era corações desesperados, pendurando milhões de classificados sem chance de sucesso nos jornais não-impressos das nuances imateriais:
 
"-Procuro um amor do jeito que eu quero."
 
Espero que desista a tempo - eu juro - porque esse "amor-perfeito", sem surpresa, entedia: não é amor, é atendimento das Casas Bahia. (Quer se doar quanto?) Amor surpreende, é espanto, é expansão; não se compreende, não tem previsão.
 
"-Procuro um amor que me torne completo."
 
Vou dar uma pista e você raciocina: isso é amor ou um frentista de posto de gasolina?
 
"-Procuro um amor que faça tudo por mim."
 
Amiga, simples assim: quem compraria essa briga doentia? Você compraria? Com que fim? Confia em mim: seu umbigo não é o centro do mundo (amém! ainda bem!); e essa idolatria não se sustentaria sem perigo, sem dano profundo ao valor humano de alguém.
 
...
 
E o poeta percebeu o porquê da repetição: só anuncia assim quem não vê sequer um clarão de poesia, quem não leu uma linha do que é doação de verdade: da união que respeita a individualidade, do amor que só dá quem entende seu valor inerente. Só precisa de classificado quem tal tratado não assimila; os outros não ficam parados na fila.