Não adianta reclamar

Suburbano, subalterno,
veste o terno e obedece.
Desce escadas, vai embora
e não demora a voltar.
Desafrocha o nó da gravata,
mas não o da garganta,
não adianta reclamar.
Calça o sapato
e pisa com tato para não machucar.
Levante homem e vai trabalhar!
Senta e calcula o prejuízo
do desajuízo das palavras do chefe
cravadas no peito, na falta de jeito
e trato não prevista em contrato.
Desce as escadas, vai embora
e não demora a voltar.
Pondo de ponta cabeça,
anoiteça, mereça agora o inverso.
Veste a saia e vai embora.
Lava a roupa e faz a janta,
não adianta reclamar.
Deita, finge, geme, grita
para alguém te escutar
e quem virá te salvar
senão o sono, sem sonho, só sono.
Calça o sapato
e pisa com tato pra não machucar.
Dá-se um jeito de ir adiante.
Levante mulher e vai trabalhar!
Senta e descasca batatas,
prepara as atas da reunião,
limpa as manchas de pata do cão
nas paredes da casa do patrão.
Desce escadas, vai embora
e não demora a voltar.
Pondo de ponta cabeça,
amanheça, mereça agora o reverso.
Veste o uniforme e vai embora.
Decora toda a taboada
e recita para sempre, decor e salteada.
Não suje a roupa nova brincando.
Não brinque com a velha autoridade
das senhoras, doutores e semi-deuses.
Mastigue a pimenta e ajoelhe no milho,
és apenas filho desses vários temores.
Levante menino, calça o sapato
e pisa com tato para não machucar!
Veste o uniforme, vai embora
e não demora a voltar.

São Paulo

Felix Ventura
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