
Levado pela mão da babá, o piralho empacou diante à vitrina da loja, próxima à escola dele.
- Anda, Eduardinho ! Ralhou a mulher, enervada com o imprevisto.
O olhar, sem palavras, respondeu significativo, e continuou estancado, atenção fixa na exposição daquelas maravilhas que o encantavam.
- Nem pensar ! Você já tem todos os brinquedos que uma criança pode desejar na sua idade...
Nada de demovê-lo da intenção de ali permanecer.
- Se você está pensando que vai me vencer, se engana...
Nenhuma reação em resposta à atitude dela. Se quisesse, que continuasse sem ele, ou o levasse à força.
- É assim ?! Deixa estar que conto tudo à sua mãe, nada de jogar vídeo game por hoje, ela vai te colocar de castigo !
Sem responder, mas olhando para ela, apontou com o dedo um dos brinquedos.
- Que é que tem ? Bonito é, mas você nem dá conta de brincar com os que já tem... ficam espalhados pelo quarto, você não dá a mínima para eles, cansa-se logo, é dinheiro dos seus pais jogado fora...
A paixão estava estabelecida, apaixonara-se pelo hominho do espaço, em roupas reluzentes, prateado, que parecia chamá-lo. Implorando para ser levado por ele.
- Ande, senão chegamos atrasados... pegou-o forte pela mão, tirando-o de seus sonhos.
No outro dia, mesma situação, deixando a babá enervada.
Ela resolveu, então, que passaria pela outra calçada, assim ele não se lembraria mais daquele robô...
Mas, puxando-a, forçou atravessarem a rua. Para não dar a entender que brigava com o pequeno, aceitou atravessar, e a mesma coisa de dias voltava a acontecer. Longos minutos a namorar o companheiro, que até já dera um nome: Alton...
- Alton ! Até nome tem o boneco ? Cada uma que estas crianças inventam !
Determinada a vencer a batalha para acabar com a birra da criança, menino de 5 anos, filho único. Resolveu que não contaria nada para os pais, senão corria o risco de eles comprarem mais um brinquedo para ele...assim estragavam o menino, deduzia com seus botões. Afinal, na vila onde ela morava, os pequenos se divertiam com bolas de papel ou de meias velhas, com dois tijolos de lado a lado faziam as traves e não eram menos felizes por não terem tantas regalias.
Assim, invariavelmente, a dura canseira diária de vencê-lo pelo cansaço e arrastá-lo para a escola.
- Se pensa que me vence, está totalmente enganado ! Respondia vitoriosa a cada quebra de braço, onde, resoluta, vencia-o, antes pela força das mãos empurrando-o, do que por convencimento dele.
Chegou a sexta-feira, tiraria folga no sábado e só retornaria na noite de domingo, estava exausta com aquela lenga lenga da semana toda naquela disputa com o menino...
Longe da vitrina no fim de semana, sairia com os pais, iriam ao clube, na segunda-feira já teria esquecido do bendito robô, suspirava aliviada.
No domingo à noite, nem bem chegara, os pais do garoto, sentados no sofá da sala, parecendo cansados.
- Está tudo bem com o Eduardinho ? perguntou cismada, não o vendo junto aos pais...
- Marina, quem é o Alton ? Algum amiguinho novo da escolinha ?
- (procurando lembrar de onde ouvira aquele nome) – Alton ? Nem se dera conta de que tratava-se do nome dado por ele ao boneco da vitrine... Não estou lembrada, mas parece que ele falou este nome...
- Ele teve febre à noite toda, parecia delirar, e chamava por ele, levamos ao pediatra logo cedo, mas não tinha nada, apenas indisposição, não queria comer e nem brincar...relatou a mãe à babá.
O caderno de atividades da escola só tem desenhos de uma figura, um homem com armaduras, algo assim...
- Armadura ?! Despertou a babá, rindo: - É o Altom !
- É este o nome que ele falava, é algum coleguinha novo da escola ?
( encabulada, sentindo-se culpada por privá-lo do brinquedo, escondendo a vontade do menino para os pais) – Ele agora está bem ?
Está dormindo mais tranqüilo, voltou a brincar e a comer, depois que o levamos a passear, fizemos algumas compras e ele se distraiu mais...
- Vou vê-lo no quarto... saiu a babá preocupada.
- Eduardinho, meu pequeno, sussurrava nos ouvidos dele, que ressonava tranquilo, abraçado a um brinquedo, um boneco...o Alton !
- Danadinho, acabou me vencendo... (ria consigo mesma beijando o menino.)
89ª PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS DE CONTOS PUBLICADAS EM LIVROS, A MAIORIA PELA EDIT. CBJE, RIO DE JANEIRO-RJ.
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