Fauno das Flores

Um dia nos caminhos das dores
Exilei-me por entre campos sem fim,
Na mente todos amores, que a vida contemplou.
N'alma lamentos,
Falta do amor alimento,
Para meu corpo nutrir....
Foi chegando noite, beira da estrada
Longe da cumplicidade, doces lembranças,
As saudosas folias, lua não iluminou.
Quanto vale choro ou rebento
Belos momentos,
Que ora paixão encerrou...
Pobre memória, tortuosa ausência
Tristes carências,
Da falta de um bem.
Na escuridão natureza calada,
Marejando pensamentos,
Com destreza o silêncio
Altivo Fauno* rompeu.
Ser ardiloso, chifres pendentes,
Olhos arteiros, prontidão.
Arguiu-me todas cores,
Arco-íres amores, que a vida me deu...
Pediu-me cruel prenda,
Em troca momento sublime
De ver em leito de folhas, donzela
Que escravo faria coração.
Fez-se então fogo à lua rancorosa,
Trazendo paz a meus olhos sentimentos.
Não senti perfume dos campos, nem lembranças,
Pobres momentos,
Da fêmea sem aroma, apaziguei-me selvagem,
Sem fruto razão...
Assim rompeu madrugada,
Da seca amada, nada além de espinhos floresceu.
Minha memória vazia, ardor negou.
Derrotado pelo falso encanto,
Embriagado pela solidão,
Nada além da vida,
O Fauno das Flores pediu então...
Sem alento, quase rendido ao sofrimento
Mente zelosa, tua lembrança foi resgatar.
Antiga pureza, frescor e seiva,
De todos sabores derramados.
Sol multiplicado, presença amada,
Afastas-te com tuas fontes triste pena,
Que hora condena, meu caminho à escuridão.
Beleza emoldurada balsamo das dores
Ora sabor ameixa, destino crepitante
Do amor errante ao ninho,
Em teus seios regressou...

* Fauno - (do latim Faunus, "favorável" ou também Fatuus, "destino" ou ainda "profeta") é nome exclusivo da mitologia romana, de onde o mito originou-se, como um rei do Lácio que foi transmutado em deus e, a seguir, sofreu diversas modificações, sincretismo com seres da religião grega ou mesmo da própria romana, causando grande confusão entre mitos variados, ora tão mesclados ao mito original que muitos não lhes distinguem diferenças (como, por exemplo, entre as criaturas chamadas de faunos – em Roma – e os sátiros, gregos).

Assim, para compreender a figura de Fauno, é preciso inicialmente saber que o nome era usado para denominar, essencialmente, três figuras distintas: Fauno, rei mítico do Lácio, deificado pelos romanos,[2] muitas vezes confundido com Pã, com Silvano e/ou com Lupércio (como deus, era imortal); Faunos (no plural, embora possa ser usado no singular, quando individuado o ser) – criaturas que, tal como os sátiros gregos, possuíam um corpo meio humano, meio bode, e que seriam descendentes do rei Fauno. (Eram semideuses e, portanto, mortais); ou ainda, Fauno, um marinheiro que, tendo se apaixonado por Safo, obteve de Afrodite beleza e sedução a fim de que pudesse conquistar a poetisa.

Desde a Antiguidade, em muitos festivais de Atenas, a maioria dedicados a Dionísio, diversas tragédias eram representadas antes de uma peça chamada "satírica", onde os atores, em coro, se fantasiavam de faunos, realizando danças e cantos em flautas, para cortejar o deus. Desde então, a obra satírica foi aproveitada pelo Renascimento e em alguns Classicismos, ficando vigorizada na Europa, e na poesia de Gregório de Mattos.

Devido suas sincrônancias, o mito do fauno fundiu-se com muitas outras culturas e, passando pelos séculos, adquiriu muitas representações artísticas. Na representação da escultura, Praxíteles talvez tenha sido o primeiro a retratar a figura como jovem e bela, conservando seu lado físico humano e obscurecendo seus traços animais. Além de ser trabalhada em obras literárias (notavelmente na poesia), o mito do fauno atravessou os tempos e atingiu também a arte barroca e também a arte renascentista, onde seus artistas o retratavam de formas diferentes.