Crônica: CADEIA COM CAFÉ DA MANHÃ E PORTAS SEMPRE ABERTAS. UMA EXPERIÊNCIA "ABORRECENTE"

CADEIA COM CAFÉ DA MANHÃ E PORTAS SEMPRE ABERTAS. UMA EXPERIÊNCIA "ABORRECENTE"

Pegamos o hábito, quando tínhamos quatorze ou quinze anos, de ir de carona para as praias, aqui do Paraná, a hora e meia de Curitiba.

No ínicio dos anos setenta andar de carona era novidade e todos as davam com facilidade e como éramos geração paz e amor e adolescentes abrindo nossos horizontes, não podíamos deixar de pegar nossos "panos" e cair na estrada, assim que desse oportunidade.

Ficou comum, era só dar vontade e lá íamos nós, sempre com pouco dinheiro, claro, e às vezes até sem nenhum, mas iamos na cara e coragem e uma vez lá, sempre davamos algum jeito.
 
E lá chegando, arranjávamos um lugar para deixar os apetrechos e íamos curtir a praia e encontrar outros amigos que sempre estavam por lá. Éramos uma comunidade, todos se conheciam.

À noite, pegávamos as nossas coisas, normalmente deixadas em algum bar ou lanchonete, ou alguma casa de conhecidos, e íamos achar algum lugar para dormir. Quando as noites eram muitos quentes e claras, dormíamos nas pedras da praia mais agitada na época, Matinhos, que hoje é brega, mas naquela época, era o lugar com maior agito e a mais perto de Curitiba.

Estendíamos os panos e ficávamos lá curtindo as estrelas e os amigos, que só na adolescência são tão bons.

Tudo era novidade naquela época, tantas descobertas novas em relação à geração dos nossos pais. Era um começo de novas liberdades, de novas formas de se ver o mundo, com novas religiões, novas filosofias mais condizentes com aquele período de travessia da humanidade.

Quando a noite estava mais fria era costume irmos dormir em varandas de casas que estavam desocupadas. Era "habituê".

Então tomavamos algumas precauções "escolher casas estratégicas", onde não houvesse muita luminosidade e em travessas de pouco movimento, para podermos ficar sossegados.

Normalmente passávamos a maior parte do tempo conversando, até cairmos, literalmente, no sono.

E numa destas noites, escolhemos uma a dedo, mas como a varanda dos fundos era maior e mais isolada, resolvemos lá ficarmos. Os meus dois amigos já estavam dormindo e eu fiquei lá esperando dar sono, quando vi pela sombra da casa que batia na garagem, em separado, a sombra de uma mão com revolver vindo se esfregando pela parede da casa em nossa direção.

Com os dois dormindo fiquei na dúvida se os acordava e saiamos correndo ou eu saia correndo e pediria por socorro. Nesta dúvida de segundos, vi logo em seguida outra mão atrás da primeira o que acabou a dúvida e resolvi dar o fora, quando que de repente pulou as duas pessoas na minha frente e apontando as armas, lógicamente, disseram para eu ficar parado!

Eu gelei, mas me tranquilizei, ao mesmo tempo, pois eram dois policiais militares e eu estava pensando que eram bandidos. Explicamos para eles que só estávamos ali passando a noite e um dos dois meus companheiros disse que, inclusive, era filho de um policial lá de Curitiba, e até hoje nunca mais esqueci o nome do pai dele, Rui Vieira, que eu nem conhecia, mas sabia que era linha dura.

Os policiais o conheciam e ai o papo ficou informal, disseram que tinha acontecido alguns arrombamentos e que por isto estavam dando algumas batidas e perguntaram se nós não queríamos ir dormir lá na delegacia, que só havia um preso, e nós poderíamos passar a noite numa das celas, sossegados, sem nenhum risco. ´

E quem que teria coragem de dizer algo em contrário a um convite "tão amigável". E lá fomos nós atravessando toda a cidade, com nossas pequenas mochilas, acompanhados pelos dois policiais.

Parecia que estavamos sendo escoltados e nós iamos mantendo um bom papo com eles para que ninguém pensasse que estávamos sendo preso.

Lá chegando eles nos forneceram o primeiro aposento, em frente da cela onde estava o único preso daquele recinto. Estendemos nossos panos, mas não podemos dizer que tivemos uma bela noite, pois o nosso vizinho não parava de ficar nos pedindo alguma coisa.

Mas enfim lá dormimos, meio ressabiados, mas dormimos.

De manhã cedo tomamos um belo café com os policiais e deixamos lá os nossos apetrechos e saímos novamente para a nossa curtição, respirando novamente o "ar da liberdade".

Voltamos lá para tomar algumas duchas e mais alguns cafés, até que no final do domingo, pegamos as nossas coisas para colocar o pé na estrada, e voltarmos para Curitiba, pois na segunda feira teríamos que pegar cedo na escola, mas não sem antes, efusivamente, os policiais nos terem deixado, solicitamente, as portas abertas da cadeia, para sempre que quiséssemos voltar lá para dormir ou deixar nossas coisas.

Agradecemos penhoradamente, mas preferimos nas outras oportunidades, sempre arranjar outras opções para nossas estadas.

Em qualquer situação da sua vida procure se lembrar:
'Não é o lugar em que nos encontramos nem as exterioridades que tornam as pessoas felizes; a felicidade provém do íntimo, daquilo que o ser humano sente dentro de sí mesmo' Roselis von Sass -graal.org.br

Um vivência nmarcante ocorrida nos fabulosos anos setenta, cheia de cor e adrenalina

Curitiba, 10.04.2010

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