INOCENTE IMBERBE

 
Durmo um inocente imberbe...
Desconfioso da canalhice do amanhã
Renasço todos os dias em enigmáticas auroras
Logo, o sonâmbulo corpo intui o trajeto à cozinha
A golada de café, cheira a sangue de punhal
Passo o dia e o dia me transpassa
A fina arte de viver me exaspera
As pessoas passam e a calçada espera
Vou andando... aumenta a nebulosidade, gira a Terra
A eterna companheira submerge (minha sombra...)
A previsão do tempo é fatal e exata
"Sol a pino, encoberto por cotidianas banalidades"
O relógio avança como um ônibus que nunca erra o itinerário
Andando pelas horas, recusa-se a estacionar ao meu aceno
Ah, cálidas tardes de idéias mortas e vívidas impressões!
Aproveito e desenrolo o fio em que a morte tece esse manto
Por um medo medonho de mim, ainda assim, prossigo..
No crepúsculo vespertino acendem-se as expectativas
A eterna companheira mui alegre emerge (minha sombra...)
Artificial, divide-se em quatro, arrastando-me pelos pés
Por previsíveis e comuns lugares metodicamente visitados
Paisagens que nunca absorvo, vítima do fastio imposto por elas
Distante, pela urbe, ainda insiste no vôo um canarinho
Por fim, em meio ao disparate, flutua uma viva verdade!
Observo... Tenho apenas uma vontade, maior que todas:
Que ele jamais pouse sob as minhas vistas
Fugidios os instantes em que compreendo o que é o carinho!
Derramo-me à cama envolvido por esta sensação
Ainda é cedo para o sono mas prefiro tornar-me criança...
Durmo um inocente imberbe...
 
Gê Muniz

Gê Muniz
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