MEU GRANDE AMIGO JOSÉ

Carta a "Zé de Lenita", no Iraque - 1985


Visitei, no mês “trasado”
O velho Sítio Degredo
E senti que tinha errado
Por não ter ido mais cedo.
Não sei se já estás sabendo
Mas Degredo está chovendo
Água, ouro e alegria
E, enquanto eu não me esqueço,
José, o teu endereço
Peguei com Antonio e Titia.

Resolvi dar-te umas linhas
Já que aí estás sozinho,
Para dar notícias minhas,
Da família e de Brejinho.
Eu já ando em outros trilhos,
Já sou “papai” de dois filhos:
Um já anda, o outro não;
Antonio tem uma menina,
Mora aqui mesmo, em Campina,
Mas vai sempre ao sertão.

Vão bem aqui mãe e pai
Vivendo como Deus quer;
O “Mite”, no Rio, vai
Muito bem com a mulher.
Ana, Artemízia, Altair,
Arlete, Adjayr,
Albânia e Nenê - em paz,
E as famílias lá por fora
Vão bem, porque até agora
Não nos reclamaram mais.

Em Degredo, ano passado,
Todo mundo lucrou bem:
Deu pro gasto, deu pro gado.
E deu pra vender também.
Não secou mais um açude,
O gado tem mais saúde,
Com mais água e mais comida;
Este ano começou
Bem, como o que se passou:
Já tem lavoura crescida.

Você precisa voltar
A viver conosco aqui;
Rever a mulher mandar
Nos troços de Valdemir;
Bastião "mijar " na cama,
Zé Delfino e sua fama,
Cherito e sua cachaça:
Com a cara cínica, sorrindo,
Encher o “talo” em Arlindo,
E chorar roendo na praça.

Você precisa voltar
A viver conosco aqui,
Vê Antonio Gago jogar,
Vê os versos de Zizi;
Matar a velha saudade
Em Placa de Piedade,
No jogo de futebol.
O gelo não dá saúde,
Venha pra beira do açude
Pras velhas manhãs de sol!

Você precisa voltar
A viver conosco aqui,
Pra comer o mungunzá
Com tripa, bucho, e sair...
Ir lá, na mina de ouro,
Ver a casaca-de-couro
Cantar nas manhãs de sol.
Pra ver as flores se abrindo,
Parecendo estar sorrindo
Ao canto do rouxinol.

Você precisa voltar
As viver conosco aqui,
Ir ao baixio e chupar
Uma manga bacuri.
Chupar uma cana fria
E às dez horas do dia
Voltar pra casa, sem pressa,
Assar carne sem enfeite,
Comer com cuscuz com leite
E sentir que a vida é essa.

Você precisa voltar
A viver conosco aqui,
Mandar a mulher passar
Ferro na roupa e sair;
Andar até a cidade
E sentir quanta amizade
Ali deixaste plantada,
“Tomar uma” com rolinha,
Voltar pra casa à tardinha
Pra jantar com a filharada.

Aqui vou deixar, José,
As lembranças de um parente.
Peço-lhe: assim que puder
Venha visitar a gente.
Mas, escreva mesmo assim;
Se lembre sempre de mim,
Valdemir, Antonio e Zito.
Do mesmo jeito aqui faço.
Nada mais. Um forte abraço!
ALFRÂNIO GOMES DE BRITO.

Campina Grande – fevereiro de l985.

Obs: "José de Lenita" foi um camponês que, como outros tantos, ingressou nas fileiras da Construtora Mendes Júnior, numa leva que passou pelo sertão do Pernambuco, arrastando todos aqueles que sonhavam com a fortuna no exterior. "Cabra da peste", como dizíamos naquele tempo. A carta chegou lá!

Saudade do velho Zé...

Alfrânio de Brito
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