as coisas fora do comércio

Ainda quando eu me fazia gente
lá nas cercanias da fazenda gramiais,
às margens do córrego do mangue,

exceto a querosene do lampião,
quase todas as coisas
eram fora do comércio.

Em quase tudo, a troca graciosa:
a água, o banho de sol, o leite quente,
a coragem, a fé, a preguiça, a paz,

a benzedeira, a parteira, a doação de sangue,
a despedida, o reencontro e até a paixão,
a queixa, a prece e os flertes na quermece.

A casa agraciada por jardins floridos
e concebidos pela dádiva divina;
a um passo da varanda de chão batido,

brotava a fonte de água cristalina.
Também fora do comércio, porém proíbidos,
os beijos adocicados das meninas.

Agora que estou grande,
o mercado diz que sou gente
descartável, pois que beiro à meia-idade.

Também, gastei o tempo
comprando coisas como conhecimento
e sabedoria nos bancos da faculdade.

Neste intervalo chegou o futuro
trazendo consigo uma nova filosofia
bem como o desmatamento do serrado.

E implantou nas pessoas o dissenso imaturo
de consumo: agora até a vida é moeda da economia;
paradoxalmente, além dos quarenta, virou coisa fora do mercado.

Curitiba