Na cabeça, vento e raios.
A chuva cai, e as folhas, e a concentração...
Penso, sempre, na antiga equação,
no enigma que me persegue e atrai:
a luva e a mão se unem,
mas a película de ar resta,
indivisa, plena de emoção,
ante meus olhos vidrados de vida.
 
O que é ar? O que é paixão?
E festas, e terrores noturnos, e a dor,
minha mulher querida?
 
(Às vezes me vejo parado
no meio da grama, e me distraio
pr’esquecer a ferida
aberta e rubra da solidão.)
 
Olho pro céu circular da Rasa.
Por ter nada a fazer,
Tento sempre entender a comédia e o drama
das nuvens que passeiam invertidas
no meu teatro astral...
 
Nada compreendo, mas não faz mal.
Baixo os olhos, ohlho pra minha casa,
sinto o cheiro do mar, esvoaço a cabeça pro lado
dos meus matinhos...
 
Faz sol, mas na cabeça do poeta
está tudo desalinhado, mulher querida,
coisa sem coisa, eira sem beira.
O esquadro dele fracassa, e as retas
traçadas com capricho escolar derretem
e escorrem, e a métrica se dilui
e pinga, azulada, entre as folhas do jardim.
 
E chove a cântaros na cabeça do poeta,
querida, querida; chove temporal!...
Mas não faz mal.
 
Minh’alma sobrenada ainda nesse oceano, e flui
sem ter onde aportar, sem destino, sem vontade.
Acho que isso me define e sedimenta,
E me exclui da terra firme, da praia distante...
 
(Inconstante, a mão enluvada afasta
um galho, colhe uma flor,
arranca, distraída, um capim.)
 
Enfim... Sorrio novamente pr’o sol,
mas a chuva me lava internamente.
Penso que esse é meu menos
e meu mais – sou andarilho extraviado
dos meus irmãos poetas

em todo mundo, todo país, toda cidade, toda rua...
 
No fundo, é tudo um grande e inútil jogo
de verdades indecisas e mentiras cruas,
em que céu e inferno são ficções,
os deuses são mitos,
e já sabemos ao nascer o que virá...
 
No meu oceano interno, no meu mar
exclusivista, a vida é sempre
uma onda crua e decisiva.
Nele, vejo irmãos distantes e aflitos,
que sorvem o ar salvador em tragos angustiados...
 
Mas afundo suavemente e não me afogo.
Em meu fundo de pedra, não sinto tristeza e nem dor,
e reinvento o curso do tempo: sou outra vez criança,
ainda outra vez menino destrambelhado e feliz.
 
... e fico marolando. Então, uma voz sussurrante me diz
que, no baixar da cortina, a terra me não terá.
Que enfrentarei sempre meus temporais com força,
Co’a alma lavada e o corpo sem pecado...
 
Eis meu trabalho, querida, minha obra, letra e destino.
Nessa procela, nessa onda que me colide e arrasta,
Eis o que sou:

Poeta marítimo, poeta submarino, o guardião do asylo,
o jardineiro sempre de rendas e pelica enluvado.
 
É.
Mas isso não te basta,

mulher querida, isso não te basta.