Na minha casa
Já não batem mais à porta
Até mesmo as janelas
Cujas cortinas brancas
A brisa costumava embalar
Quedam-se agora mudas
Cegas, para o desmazelo
Do jardim lá fora

Não há graça nenhuma no capim
Que ora medra impune
Aonde roseiras um dia floriram
Descontrolado
Verdeja para o sol a pino
Faz companhia
Para as sombras quentes
Para os beirais recortados
No chão de cimento do pátio

Vento, agora
Já não sobra quase algum
Somente um bafo
Agonizante e úmido
Soturnamente, ele
Penetra casa adentro
Feito uma onda surda
Fazendo-a ainda mais
Abafada e sufocante

A tarde de verão inspira desesperos
Como esconder-se
Deste fulgor que a tudo abrasa?
Como fugir
Deste clarão que a tudo acende?
Nada resta
Senão ansiar pelo entardecer
Que nunca chega
Pela chuva que pouco fará
Noite adentro
Além de trazer
Ainda mais umidade
Para o ar já saturado e viscoso

Dorme o dia de olho aberto
Cão sarnento e ofegante
Nada atrevendo-se a enfrentá-lo
Somente as árvores, com seu verde
Com sua sede de encarar o sol de frente
Aproveitam-se desta infusão de luz
Para quietamente engendrar
Sua química de planta
Seus rebentos de claridade

Abandonados estamos
Minha casa e eu
E vivemos um tempo de estranhezas
Passado e presente
Já não conjugam
A soma dos dias não fecha
E um letárgico torpor assoma
O que restou de nossos dias

Alienados que fomos
Por uma realidade
Inóspita e alheia
Transformados
Em fantasmas antecipados
De uma morte langorosa
Largamente postergada
Pelo lento decair
De corpos e mente
Instalações e mobília

Paralizados pelo inesperado
Assola-nos uma profunda confusão
Nada mais faz sentido
Como um rio e seu curso
Súbitamente alterados
Vagamos inermes
Por território desconhecido

A morte
Esta amiga estrangeira
Ora em prolongada visita
Trouxe-nos por presente
Uma pequena amostra da Desolação
Subtraiu-nos daquilo
Que fazia sentido

E já não podemos mais
Participar do mundo
A vida esvaiu-se destes quartos
Como um grande ralo
Um vácuo engoliu o presente
Sugou suas memórias, nomes e faces
Pesadas demais para carregar adiante

Vazios, dessangrados de nossa essência
Não nos é mais possível prosseguir
Resta agora apenas esperar
Pela longa noite e a chuva
Que nunca chega

O nosso tempo acabou

 

Uriel da Mata
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