Nasce uma estrela. Amanhã é 23.
O tempo empilha memórias em uma gaveta desarrumada.
O caos, a realidade, entram e saem de foco.
Uma neblina une eventos, objetos.
Pessoas formam uma grande massa disforme e colorida.
Vida, como discernir algum sentido dessa estória?
Como arrancar um objetivo à depressão?
Música e isolamento parecem ser as poucas coisas a mitigar esta sensação de profunda decepção.
Jovens morrem todos os dias sem saber deste mar da meia-idade, vasto e desolado.
Um navio desarvorado navega com dificuldade e sem rumo.
O porto da memória é uma miragem montada em torno à fraude.
O passado mente.
Poucas coisas sobrevivem ao teste do tempo e a verdade não está entre elas.

No jornal, o caderno de domingo traz notícias de mundos distantes.
É tudo um grande Carnaval.
Em algum lugar, alguém esforça-se e finge divertir-se.
Nada mais parece certo.
A localidade das percepções confirma Einstein.
Além daqui está o passado e o agora é carregado às costas como um caramujo e sua concha.
Ligado à sua teia começa o homem, e ele fala a língua das multidões.

Boiando no rio passa lentamente a vida.
Onde ela começou, ninguém sabe,
Mas no grande oceano, onde tudo deságua,
Decompõem-se lentamente milhões de corpos.
São gerações de navegantes.
Não há peixes nem moluscos para tanta podridão.
No delta do rio, onde começa a morte?
Onde acaba a vida?
No último suspiro, ou quando a mortalidade é percebida pela primeira vez?
No final, o rio entope o mar.

Uma flor expande-se como o horizonte e expõe o tempo em sua delicada beleza.
Crescemos sem o perceber?
O espaço, mãe ciosa e discreta, amamenta estrelas.
Quantas cordas fazem um super-violino?
Quantos orgasmos fazem uma mulher?
No centro de toda galáxia há um buraco negro.
Ele suga o homem que o suga, até nada mais sobrar.
Da fruta chupada sobra somente o caroço caído no chão.
Na paisagem do mangue, onde começa o homem?
Onde acaba o homem naquela mulher?
Mulher capaz de sangrar na praça,
Capaz de dissolver os ossos daquele homem.
Como a mãe dissolveu os dias de seu pai.
Os leitos dos rios e dos casais são lugares profundos e traiçoeiros.
Quantos náufragos e quantos afogados!

Confiante, a nau do otimismo mergulha no vórtice que a tragará.
Todos os dias surgem novas possibilidades.
Multiplicam-se as promessas.
A todo momento brotam oportunidades,
Oscilações quânticas do vasto espaço vazio.
Quando, porém, exaurida do sol a sua força, chegar a noite,
Virgens estéreis irão dormir as boas intenções.
Pois o dia já traz embutida a sua própria ruína.
A rotina, como o rato, rói, erode a vontade.
A topologia do progresso, como as estradas do Brasil, é cheia de buracos.

Gritam, hoje, as bocas que já foram amigas;
Todos os lábios sedentos já foram um dia saciados.
Lasso, o redentor jaz agora morto.
Traz por mortalha um lençol manchado.
Quantas Madalenas por-se-ão a chorar?
Lamentações e desesperança cobrem suas faces.
Espera! Porque te vais?
Quem acolherá o escolhido?
Ressuscitado, ele voltará transfigurado,
Sob a luz de uma nova estrela.
Acende a chama, supernova maravilhosa!
Resgata as ilusões, as eras passadas e mortas.
Empresta teus anos, para que a vida,
Uma vez mais, pulse com o sabor de antigamente.

 

Uriel da Mata
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