Anoitecer na Avenida

 
Como descrever a avenida e seus vultos?
Teu cheiro é um frêmito só.
Os ônibus são tantos, formam uma fila sem fim,
E o lóbulo da tua orelha exuda um sabor,
Procuro por entre os carros e o caos do entardecer,
Anônimo, silente, querendo ser teu amante,
Além dos passantes adivinho teu rosto,
Desde há muito começamos esta viagem,
Tocar tua nuca é sentir este arfar ansioso,
Convergimos lentamente sob a luz cambiante dos luminosos,
 
Mãos entrelaçadas transmitindo uma eletricidade,
O calor macio da tua pele faz-me estremecer,
Por um momento, esqueço quem sou,
E a ouvir tua respiração ritmada, em teus braços,
Exausto, fecho os olhos e adormeço.
 
Jaz o mundo lá fora, e dele já não sou mais,
Toda ansiedade dissolve-se aos poucos,
Os ruídos à distância, e mais nada.

Guia para a melhor comprensão do poema:
O texto abre-se estéreo, onde cada linha transmite alternadamente um canal de informação. Nas linhas ímpares, eu informo do mundo externo, com o seu caos, no tumulto do anoitecer em um cidade grande. Já nas linhas pares, eu procuro projetar o mundo interno, na ânsia da busca pela pessoa amada em meio ao torvelinho da multidão. Subsequentemente, os canais convergem e culminam no encontro dos dois amantes. É aí que, nos braços um do outro, o silêncio e a paz são finalmente alcançadas. O mundo externo sai de foco, a ansiedade desaparece, e a realidade dissolve-se em sonho e tranquilidade. É uma alegoria sobre como o amor aquieta os corações mesmo entre a agitação de uma metrópole.
Uriel da Mata
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