E amam muito tudo isso...

(Por que filhos de uns têm comida
E filhos de outros não?
Por que estômagos são enchidos
E iguais estômagos não?)

Numa dessas foi que um menino
Sentou-se descalço, em descuido, no chão
Talvez esperando um outro destino
Na frente de onde vendiam o pão

Gravuras mostravam àquela criança
Sabores que punham a mente em serviço
E os que serviam-se, a certa distância,
Amavam, sim, muito, a tudo isso

Com fome cansada e contemplativa
O menino correu à senhora sozinha
A qual com resposta verbal agressiva
Apagou-lhe a idéia e motivo a que vinha

E assim como o incômodo de comer
Perante a miséria de quem bate à porta,
Incomodou-se a senhora, a fazer
Com que mandassem-no dar meia volta

De olhar baixo, e um tanto confuso
Foi-se o menino e o vazio a segui-lo,
Sem forças nem mais pra entender-se excluso
Lembrava que amavam, sim, tudo aquilo.

(Que amavam, até soa estranho
Mais estranho é acharem que não,
Porque filhos de uns têm tamanho
E filhos de outros não.)

"Deus move céus e terra para o que é impossível ao homem, mas não move uma migalha para aquilo que podíamos fazer."

(Bem pior que tudo: vi tudo e nada fiz... Não faça o mesmo!)

Marina Seneda
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