Choveu a chuva de todas as eras, e da minha janela notei que o céu enegreceu à vista dela: escurecéu! Tive que parar pra vê-la, que a Natureza pára, (que a Natureza vela,) e de tudo o que vive não mais se ouve um pio, pois seu som não se compara ao ronco grave e sombrio da voz das nuvens. Contive, a sós, minha indignação, calada pelo trovão feroz; e assisti passivo ao aguaceiro que passava... (Passageiro aqui, no alto do morro... Na favela, no córrego, socorro! que ele não passa tão breve, sem que leve a janela, a casa, e a alegria: chover lá não tem graça, não vira poesia...)

O azul vem rasgando o cinza; a brisa de fim de tarde vai limpando o norte e o sul, deixando o céu nu de nuvens; e um restinho de sol que abre seu caminho quer confirmar que a chuva cessou: já passol! Mas o sol pra inglês ver não anima quem se molhou, quem navegou e naufragou na onda pluvial, sem saber se o barraco agüentou, ou se encharcou a roupa no varal, ou se o menino, fraco do pulmão, vai ter que voltar pro hospital... (Tomara que não, porque a luz acabou, e a prioridade do gerador é a UTI neo-natal...)

E a cidade, que já se banhou, volta a ter cor e ruído de vida: tá acostumada a ser (des)lavada, sacudida, enxaguada e estendida; o povo sofrido - sobrevivido - já superou o flagelo adverso: já esquecéu; e sobrei só eu insistindo num verso que a chuva lavou, o vento levou, já evaporou, já se perdeu...

Evanescéu.