Martim Fierro

Aqui me pego a cantar
No compasso da viola,
O homem que a desvela
Tem plumas extraordinárias,
Como uma ave solitária,
Que o seu cantar me consola.
 
Peço a todos os santos do céu
Que ajudem o meu pensamento,
E peço neste momento,
Que vou contar minha historia,
Refresquem a minha memória,
E clareiem o meu entendimento.
 
Venham todos os santos milagrosos
Venham todos a minha ajuda,
Se a minha língua ficar muda,
E se turvar minha vista,
Peço a deus que me assista,
Nesta ocasião tão ruda.
 
Eu vi muitos cantores
Com famas bem definidas,
Que depois de adquiridas,
Não quiseram sustentar,
Parece que sem largar,
Se cansaram das partidas.
 
Mas por onde outro homem passa
Martim Fierro também há de passar,
Nada me faz recuar,
Nem os fantasmas o espantam,
Desde que todos cantam,
Eu também quero cantar.
 
Cantando eu hei de morrer
Cantando me vão enterrar,
Cantando eu hei de chegar,
Aos pés do eterno pai,
De dentro do ventre de minha mãe
Vim a este mundo para cantar.


Que não se trave a minha língua
Nem me falte a palavra,
E o cantar de minhas glorias,
Colocado-me a cantar,
Cantando me irão encontrar,
Ainda que a terra se abra.

Este poema é um fragmento extraído da obra de Jose Hernandes (O gaúcho) que conta a historia de Martim Fierro, que viveu nos pampas gaúchos da Argentina. Ele era uma espécie de Zorro, que defendia os peões do autoritarismo empreendido pelos governantes daquela época. O poema todo esta sendo traduzido por mim para o português. A obra original foi editada em Buenos Aires em espanhol, falado nos meios rurais dos pampas gaúchos.
Jose Aparecido Botacini
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