Maria do Shopping
===============ErdoBastos
 
 
Engraçado isso...
Depois de bem passados os anos de escola e juventude, reencontro com Maria.
Os peitos mais lindos da escola!  Hoje têm, como a dona, um olhar cabisbaixo.
Não são mais portentos. Mas pelo modo como estão arrumados no apertado sutiã, ela ainda os estima, e pelo modo como tenta usa-los, ainda parece precisar que sejam admirados, elogiados como eram, desejados...
 
Trinta e poucos anos.
E o traseiro mais bem torneado que eu já vira de perto, agora exibe  uma certa “decadência”, e mapeado pelas estrias não tem mais aquele aspecto de uma duna no deserto das mil e uma noites. Antes parece uma praia assolada por chuva de verão, marcada pelas gotas de chuva em furinhos sucessivos de uma celulite que os cremes caros, hoje, não mais combatem no traseiro conhecido por milhares de homens neste lapso, pra ela, atemporal.
 
Começamos a conversar, alegremente, velhos companheiros que se reencontram.
E pra minha surpresa, isso não mudou nada. Ela continua exibindo as mesmas idéias e atitudes quase infantis de meia vida atrás. Conversar 20 minutos foi quase como viajar no tempo e reencontrar o velho muro onde - enquanto os meninos sentados fumavam maconha e falavam contra o “status quo” de então, sem nada de prático, sequer estudar, fazerem pelo País - as meninas exibiam as calcinhas embaixo das saias curtas e trocavam dicas sobre como não parecer na moda, como parecer “rebeldes”, escrevendo o manual das “Bad Girls” de então.
 
Rindo e brincando, mostrando uma grande alegria pelo reencontro, tentando mostrar-se bem sucedida, Maria exibiu-me a imagem da decadência, da dependência de afagos em seu ego.
Maria, que a todos parecia esnobar e a poucos recusava seus favores, parece ainda pensar-se do mesmo modo. Mas de mulher-fatal, hoje exibe apenas a vontade de ser.
 
Não é mais aquela ninfeta que enlouquecia os pais das amigas com sua atitude liberal, que conseguia dinheiro “emprestado” de senhores de meia-idade com promessas que muitas vezes, por não conseguir evitar, cumpria sim.
Parecia ainda pensar que tinha as mesmas facilidades... Quando na verdade, ela é hoje apenas um truculento arremedo do que foi, se vista por debaixo das roupas caras e da maquiagem.
 
O cheiro de Maria, este sim, permaneceu.
Ela ainda cheirava muitíssimo bem, a custa dos perfumes importados. Os cabelos com chapinha ja quase alcançando o decote exagerado, apenas com uma pequena mancha escura nas raízes a desmentir-lhes a loirice aparente.
 
Nos breves minutos que conversamos, me contou muitas histórias nas quais “quase ficou rica”, “quase ficou famosa” e “quase conseguiu sucesso sozinha”.
Por fim, está em mais um casamento, permeado de infidelidades, de brigas e de uma dependência econômica que ela faz de um tudo pra esconder e minimizar.
Trabalha sim, mas só com o fruto deste trabalho não se sustenta, nem aos muitos filhos que tem pais diferentes entre si, homens que foram saindo da vida dela sem nada deixar-lhe além dos filhos pra criar.
 
Boa mãe, zelosa e protetora, sente-se responsável pela tristeza deles com os pais que lhes escolheu, e esta culpa a faz triste, e triste tenta compensa-los com conforto. E isso a faz trabalhar tanto que nem convive quase com eles.
Também ela conhece este tipo de tristeza, filha que é e que nunca teve, dos seus próprios pais, amor nem carinho, menos ainda compreensão ao seu jeito de ser.
 
Ela tenta. Sempre. Tenta permanecer jovem e linda, tenta mostrar-se feliz no casamento, tenta mostrar-se bem sucedida, tenta não usar drogas, tenta parecer boa e ajudar quem precisa... embora jamais aceite ajuda de ninguém.
 
Maria nasceu pra esconder as dores e sofrer calada. E ninguém foge do próprio destino, a não ser que persiga esta mudança obstinadamente. Mas perseverar é algo que ela nunca fez, mesmo, por mais do que algum tempinho entre uma  idéia magnífica e outra.
Sempre achando que dava tempo de desistir deste de hoje e tentar outro objetivo amanhã...
 
Maria era tesão e loucura. Hoje, é uma ilusão que dá pena. Porque fez da vida tudo que fez, e como a Maria do samba canção. “não sabe que tentando a subida, desceu”.
Livrou-se do morro, mas conserva o estigma dos perdedores.
E nem sabe disso, porque quando este pensamento a assola, vem em seu socorro um corredor de shopping, a corrida pra não perder a hora no cabeleireiro, o drink com aquele rapaz que recém conheceu...
 
Tudo, pra não pensar na sua realidade incômoda.
 
Um beijo em cada lado da face bem maquiada, e vejo Maria se afastando, de saias curtas, botinhas a meia canela...
Dez passos distante e de costas enquanto saía, quase a chamei de volta, porque assim sim, parecia a mesma de antes...
 
 
 
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Porto Alegre ... 27/03/2007