Éramos tão inocentes e felizes.
A vida era tudo o que vivíamos ali, no agora que o tempo tem levado pra longe de mim cada dia mais.
Tínhamos muito, tínhamos tanto. Quintal de casa era todo nosso mundo.
Era onde brincávamos de casinha, de Ciranda Cirandinha, Passa anel, local onde sonhávamos sonhos grandes e realizávamos os pequenos.
 As horas mais sérias eram quando estávamos na escola ou quando fazíamos lições de casa.
Haviam as de pura traquinagem que disparavam nossos corações, quando quase éramos pegas lendo às escondidas, sob a luz da lamparina, os Pato Donald ou as revistas Capricho, emprestadas por amigas, proibidas para meninas de família por meu pai e minha mãe.
Mas foram esses momentos de aventura que fizeram de mim uma ratinha de biblioteca na adolescência e uma devoradora de romances, com finais felizes, hoje em dia. 
Agora, a volta das aulas era libertação.
Hora das muitas descobertas. Dos cochichos ao pé do ouvido das irmãs mais velhas.
Do dividir segredos. Do decifrar mistérios misteriosos dos adultos. Era quando aconteciam as tão desejadas brincadeiras longe dos olhos do Seu Henrique e da zanga da Dona Stella.
Era quando corríamos, dávamos gargalhadas pulando poças d’água, cuidando para não nos molhar, mas nos molhávamos. 
E quando assustadas combinávamos as desculpas para os respingos de lama nas alvas blusas do uniforme, esfregadas na tábua de bater roupas, colocada na bacia de alumínio e quaradas na grama sob o olhar do sol, lá na bica, distante de casa, onde nosso olhar não alcançava.
Era de lá que trazíamos equilibradas na cabeça, latas d’água, protegidas por uma rodilha, para nosso consumo diário.
Mas isso já é outra história.
O melhor do retorno ao nosso lar, era quando juntávamos as moedas guardadas à sete chaves nos bolsos das saias pregueadas, para fazer a desejada visita ao armazém que ficava à beira do caminho.
Lá, sobre o balcão envelhecido de madeira, em vidros giratórios que brilhavam aos nossos olhos, ficavam as desejadas guloseimas que causariam as indesejadas cáries, diziam nossos pais.
Mas quem se importava?Embrulhadas em papéis amarelos, nossos olhos se perdiam naquela visão do paraíso enquanto o dono do pequeno comércio contava...uma, duas, três, quatro, cinco, seis.
Duas para cada uma. Divisão justa.
Nos derretíamos por elas.
Colocadas na boca, sorvidas vagarosamente, derramavam em nossa língua sua doçura alcançando nossos corações.
E nos tornávamos tão doces quanto elas, as balas de mel. 
Então corríamos felizes para nosso cantinho favorito, onde pouco havia o que temer, nosso porto seguro, nosso chalé de madeira que até hoje está emoldurado nos meus olhos trazendo uma saudade imensa, um querer voltar no tempo e viver tudo novamente.

Maria Isabel Sartorio Santos
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