Eu inexisto em minha crise de identidade,
Em que, para preservar danos, passo por anulação
E, por conseguinte, guardo mágoas no coração
Que para de bater na fração de segundo da imbecilidade...

Eu me enterrei em um íntimo cemitério
Onde o gozo descansa ou, em verdade, está em festa.
Escorre um suor frio e pegajoso em minha testa
E vem um calafrio e ansiedade... Depois, um silêncio deletério.

Raiva sufocada de desejos irrefreáveis,
Mas que, à força, são - e assim é e sempre será!
O que eu tenho hoje, meu eu de amanhã nunca terá,
Posto que pronto para o fim, almejará esferas inefáveis...

Despejado do apartamento da humana companhia,
Vou me adentrando na solidão: esta estranha casa.
E pousa em meu ombro um corvo, escorando sua negra asa,
Como que vomitando sua sina sombria...

Mas, no mais, o que tenho foi algo de livre e absoluta escolha.
Para não ver sofrer quem me é mais cara,
Tomei, por vontade, o gole da cicuta tóxica e rara
E engoli até a espuma e o resquício em bolha.

Sou, portanto, mais um homem morto:
Aquele que ficou em silêncio para outros poderem falar.
Um que, para não causar dor, deixou a sombra pousar
E sorriu, vendo o amor acenar, totalmente absorto...