"Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos"

"Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos"

Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos. Não amemos nem com o pensamento.

Que nenhum beijo de mulher, nem mesmo em sonhos, seja uma sensação nossa.


Artífices da morbidez, requintemo-nos em ensinar a desiludir-se. Curiosos da vida, espreitemos a todos os muros, antecansados de saber que não vamos ver nada de novo ou belo.

Tecelões da desesperança, teçamos mortalhas apenas — mortalhas brancas para os sonhos que nunca sonhamos, mortalhas negras para os dias que morremos, mortalhas cor de cinza para os gestos que apenas sonhamos, mortalhas imperiais de púrpura para as nossas sensações inúteis.



Fernando Pessoa - Livro do Desassossego

Eloisa Alves
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