
Nem feridas, nem cicatrizes,
A dor não está em si,
Ela existe, mas eu a repudio.
Não se trata de ato de força,
Ou tola arrogância,
Mas de resignação,
De escolher o que
Se quer ou não ter por companhia.
E ainda que ela tanto ensine,
Vezes chega que nos farta tanto,
Que o esclarecimento que dela brota,
Parece de forma ingrata repudiar tal maternidade.
Mergulhados em nossas migalhas de alegria,
Em nossas utópicas e ilusórias felicidades.
Fosse a dor uma pessoa,
Creio que lhe dirigiria um sorriso tímido.
Ao buscar nos fundamentos da alma,
O velho que habita em mim,
A olharia com alguma culpa e remorso,
E caberia a mim sentir-me ignorante.
E seria interessante,
Pois eu que quis tanto saber,
Neste instante tendo obtido parte desta graça,
Verei que ela não se sustenta pela razão,
Que ela se perde em meio a sentimentos vazios,
Que cansados já não desejam significar.
Cabe a opção por uma atitude estoica,
Que não recusa a luta, mas aceita os fatos.
Que se ri ao confrontar com sua força individual,
O verbo de seu sujeito com o destino.
Eis que tudo sem a razão parece ser caos,
Em que pese no desconhecido haver certo encanto,
Me move a grande utopia de que exista uma Ordem,
Uma justiça além das tolices humanas.
Tantos desistem por conta do saber da ciência,
Mas eu tenho por maior que a ciência a fé,
E minha fé não crê, mas é dúvida continua,
E alimenta minha razão inquieta,
Num exercício espontâneo,
Mas que ao fundo parece ser movido,
Por um sentimento infante
Que sabe que tudo é querer,
Mas também o preço a pagar pelo desejar.
Matemáticas da alma, lógicas do espírito,
Ante ao pensar liberto,
A tentativa de desvendar o objeto do Todo,
Será tão patética quanto heroica,
Tão heroica quanto patética.
E nem por isto deixará de ser.
Pois ser é fato, o resto é predicado,
E este parece que ao fundo revela
E se oculta entre luzes e trevas
Em nosso sentir e pensar,
Em nossa tola vontade.
E em assim sendo,
Toda rebelião será fugaz ante ao tempo.
Resta a conduta, uma tentativa de dignidade.
Não é pouco, é negada a tantos,
Pelo menos, assim vezes aparenta ocorrer.
Luz do sol, brilho da lua, lume das estrelas,
O céu, ah o céu,
Eis que parecemos destinados
A termos asas de Ícaro,
A nos debater solitário na escada de Jacó,
E a promover sentença
Sobre existência ou não do Criador,
Mas o princípio está no fim,
Alfa e ômega se encontram.
E eu não entendo,
Sou mero expectador e ator na peça da vida.
Até que as cortinas do palco baixem,
E mais do que aplausos, de modo egóico,
Quero ter paz,
Quero sentir que tive um propósito,
Almejo tê-lo cumprido.
E então nem prêmio, nem punição,
Apenas a ilusão de um ponto final,
Mas que de fato não creio que exista.
Ando em círculos, fujo de mim,
E vivo a encontrar-me.
Eis que assim é ser.
Gilberto Brandão Marcon
05/06/2022
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