Um Milhão de Velas

Um Milhão de Velas

" É com fragmentos como este que devemos fazer o possível para elaborar um retrato da vida de Orlando e de seu caráter nessa época. Existem até hoje rumores, lendas, anedotas vagas e inautênticas sobre a vida de Orlando em Constantinopla (citamos apenas algumas) que  servem para provar que ele possuía, agora que estava na flor da idade, o poder de despertar  a fantasia e de prender o olhar, capaz de manter viva uma lembrança, quando tudo aquilo que as qualidades mais duráveis fazem para preservá-la é esquecido. O poder é misterioso e composto de beleza, berço e um certo dom raro a que podemos chamar fascínio. “Um milhão de velas”, como dissera Sasha, ardiam nele sem que tivesse trabalho de acender uma única. Movia-se como um cervo, sem necessidade de pensar nas pernas. Falava com voz natural, e o eco soava como um gongo de prata. Por isso vivia cercado de rumores. Tornou-se adorado por muitas mulheres e alguns homens. Não era preciso que falassem com ele ou que o tivessem visto; imaginavam diante deles, especialmente quando o cenário era romântico ou quando o sol estava se pondo, a figura de um nobre cavalheiro de meias de seda (...). Pastores, ciganos, condutores de burros ainda cantam canções a respeito do Lorde inglês “que atirou esmeraldas num poço”, que sem dúvida se referem a Orlando, que certa vez, ao que consta, jogou suas joias numa fonte num momento de raiva ou embriaguez; de onde foram pescadas por um pajem. Mas este poder romântico, é bem sabido, está quase sempre associado a uma natureza de extrema reserva. Orlando parece não ter tido amigos. Tanto quanto se sabe, não teve nenhuma ligação. Uma certa grande dama veio da Inglaterra para ficar perto dele e atormentou-o com suas atenções, mas ele continuou a cumprir com seus deveres.”


ORLANDO- Virginia Woolf

Eloisa Alves
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