Vamos tratar de coisas diferentes. Mas se o assunto for chato, abandone. Não há nada demais em abandonar textos pela metade. Antigamente, eu achava que os filmes deveriam ser assistidos até o final, que os leitores deveriam chegar até as últimas páginas dos livros. Com o tempo, passei a deixar algumas coisas pela metade. Quando ponho um filme e vejo que está violento demais, abandono; não combina mais com o meu estágio evolutivo. E quando se fala em abandonar, não se trata apenas de livros e filmes, mas também, a vida momentânea, que muitas vezes, se leva como fardo.
O assunto pode ter vários nomes diferentes, mas vou tratá-lo como vontade/desejo. A vontade é uma força muito poderosa! Se ela encontra um ambiente propício, faz a festa, prospera. Durante a minha existência, manifestei algumas vontades através da força do meu pensamento e tive grandes resultados. Quero compartilhar com vocês:
O primeiro desejo, aos dezoito anos, foi conseguir um emprego part time, onde eu pudesse continuar estudando, pois ainda não havia terminado o Ensino Médio. Fui logo atendida, isso numa época, onde os empregos eram através de anúncios de jornais, escritos em letras miúdas e os interessados saiam com o jornal na mão, batendo de porta em porta, com currículos pré prontos e mal escritos. O emprego foi numa Multinacional que estava se instalando no Brasil. Tive a chance, então, de ser treinada para o trabalho e para a vida, numa empresa Top de Linha, que guardo até hoje no coração. Bingo!
O segundo desejo era fazer uma faculdade. E naquela época era difícil. As públicas eram destinadas aos filhos de bacana, os que podiam pagar os cursos Pré Vestibulares, tipo Miguel Couto Bahiense. Como eu já trabalhava, comecei a fazer História numa Universidade Particular. Mas o meu desejo em estudar numa pública era latente. Nesse espaço de tempo, a UERJ abriu vagas para alunos que já estavam cursando a faculdade, bastava uma prova interna, onde os candidatos seriam selecionados a partir de um exame com questões discursivas sobre a disciplina de História. Peguei a Bibliografia recomendada, estudei e passei. Outro desejo realizado.
O terceiro desejo era sair do Rio de Janeiro. Esse desejo foi interessante, eu morava num conjunto residencial onde havia uma praça muito barulhenta, palco de espetáculos para shows que não faziam o menor sentido. No dia que expressei o terceiro desejo a música que tocava era: “Vai Lacraia, vai Lacraia, vai Lacraia, vai Lacraia.” Era o próprio Lacraia se apresentando em decibéis que estremeciam os vidros da janela. Eu disse para mim mesma: "Tô fora! Esse ambiente não me pertence." E ninguém entendeu nada quando abandonei um apartamento próprio, feito sob medida, com três banheiros e fui morar em Triunfo, numa casa de telhas velhas e que chovia em cima das camas.
Tive muitos outros desejos que foram atendidos. Tive também aqueles, que até hoje, não obtive respostas. Mas o interessante disso tudo é que não bastam os desejos, é preciso atitude, sair com o jornal em baixo do braço, estudar para passar na prova, ter coragem de abandonar alguma coisa, que à primeira vista, parece muito boa, mas que depois se pode encontrar algo mais apropriado.
Eu poderia estar até hoje, presa ao apartamento no Rio de Janeiro, apegada a uma estrutura de tijolos, porque me foi muito cara, poderia também estar escutando músicas às alturas como: “Vai Lacraia, vai Lacraia...” Mas o que eu já conquistei, depois de ter deixado tudo para trás, foi muito melhor.

Selma Nardacci dos Reis
© Todos os direitos reservados