Sou um caboclo que veio do Mato
Arou a terra, se fez fecundou
Comeu os frutos que toda plantação
Inexoravelmente retribui
Regozijou-se algumas vezes
Mas sorveu o azedume da colheita inúmeras vezes
 
Sou um caboclo que surgiu do Mato
É isso faz parte do meu caráter
Aquele olhar desconfiado que vê o invisível
Ouvidos atentos para captar o inaudível
Corpo tangido para sentir o intangível
É um coração do tamanho do universo
Um coração de todo caboclo
 
Sou um caboclo que sobrevoa o mato
Essa floresta de pedra que se faz epidemia
E descaboquiza os citadinos
A floresta que empedrou corações
E que precisa se reencontrar
Para continuar a caminhada
Esse caminho que leva à civilização
Cuja dinâmica é movida pelo amor
 
Sou um caboclo do lado de lá
Que aprende com o tempo o momento de esperar
Que se encanta com o sobe e desce das águas dos rios
Que vê em todos a angelitude ainda não consolidada
Que teima em manter a esperança quando todos a perderam
Que busca consolar quem se deixou dominar pelo desespero
 
Não. Não sou um santo. Nem anjo
Sou o caboclo do Mato
Que sente raiva,
Ainda que passageira
Que se enciumece
Ainda que na efemeridade do ato
Que se emburrece
Ainda que na sapiência incipiente
Que não perde suas origens
Ainda que conquiste o mundo
 
Sou o caboclo do Mato que se poetizou
Sou o caboclo que se cientificou
Sou o caboclo que se filosofou
Sou o caboclo que traduz o mundo
O mundo dos outros. Outros mundos
 
O mundo do caboclo é intraduzível
 
A alma do caboclo é uma fonte inesgotável de traduções
Eu sou apenas uma delas
Não a mais exata
Nem a menos imprecisa
 
A minha tradução envolve todas as outras
Pois sou o caboclo que veio do mato
O caboclo que vive em ato
Hiato
Espaço sublime entre o mato e o infinito
O mato, que é o infinito
O infinito que cabe em mim