Afrodísio, o santo da cabeça


Afrodísio, o Santo da Cabeça
Aos que pensam e aos que pensam que pensam...
“O que é que tem nessa cabeça?” Walter Franco
 
Veja um corpo carregando sua cabeça nas mãos!
Afrodísio!
Decapitado pelos romanos onde hoje é a Place Saint Cyr!
Era um circo romano...Chutaram sua cabeça,
E o corpo levantou-se e foi buscá-la...
Decapitado junto com Agapio, Caralipo e Eusébio!
Que Deus tenha compaixão da cidade de Baeterrae! (Beziers!)
E de toda Gália Narbonense...Languedoc!
 
Lá vai o santo decapitado levando sua cabeça!
Antecessor cefalóforo de São Dinis de Paris!
Velhas varinas jogavam bacias de caracóis sobre o acéfalo monge
E Afrodísio pisava sobre as conchinhas sem quebrá-las
E seguiu pela rua e passantes zombavam
Ante a espantosa visão: “Um louco endemoniado!”
Foram transformados em estátuas de pedra medusicamente!
Quem vai a Beziérs hoje pode passar pela Rue des Têtes!
 
Lá vai o santo sem cabeça levando sua cabeça!
O eremita que mora numa caverna
Lá foi o santo sem cabeça levando sua cabeça
Por quase um quilômetro até sua caverna!
Onde hoje é a Basílica de São Afrodísio!
E lá o santo sem cabeça descansou...
 
Mas doze séculos depois a cidade
Fortaleza dos cátaros gnósticos: Bons Hommes!
Consolamentum aos croyants...
Foi cercada na Cruzada Albigense
E perguntaram a Arnald Amalaricus, abade de Citeaux:
-Como saberemos nessa cidade quem é católico quem é cátaro?
=Caedite eos. Novit enim Dominus qui sunt eius!
(Mate todos, Deus sabe quem são os seus!)
E até a catedral de São Nazário, incendiada, desmoronou!
 
Transponho-me agora para a Place dês poéts
Olhando o movimento ao longe da Avenida Paul Riquet,
Admirando a fonte de Injalbert!
Há pouco tomei café na estreita Rue Victor Hugo...
E minha imaginação me leva a repensar
A lenda fantástica de São Afrodísio
Que nascera em Alexandria
E foi ao pentecostes receber o espírito santo,
Encontrando o Mestre após a ressurreição!
 
A lenda do santo sem cabeça que carrega sua cabeça
É a contra-metáfora das multidões
Que hoje carregam suas cabeças sem lhes pertencer o que vai dentro delas!
Paixões, idéias, conceitos, visões de mundo, moral, ética, filosofia e religião
Tudo colocado dentro da cabeça, de tal modo que não lhes pertença!
Não julgam, nem pensam por si mesmos!
Levados pelas infinitas ruas dos sem-cabeças!
Seguindo a rota traçada por líderes insanos, falsos profetas, magos charlatães!
São decapitados e não sabem!
E chutam-lhes as cabeças para tudo que é lado,
Ao sabor dos ventos e de políticas obtusas!
E esses zumbis à noite depositam as cabeças na caverna do inconsciente
E descansam à espera da morte, despreocupados, pois não têm cabeça!
 
Deveriam se inspirar na lenda do santo sem cabeça
Cujo corpo foi buscar a cabeça que foi chutada na vala
E a carregou no meio da multidão espantada e furiosa!
Mas não permitiu que pusessem nada dentro de sua cabeça...
E foi até a caverna em que meditava por anos
E lá deitou-se tranqüilo com seus próprios pensamentos!