QUANDO FALAS BAIXINHO

QUANDO FALAS BAIXINHO


Quando me falas, princesa,
naquele teu tom tão especial
de flauta-doce mezzo-soprano,
com tua boca tão colada a mim
e ao meu espaço vital,
 
quando me falas baixinho
(mas tão raramente!)
dos teus sentimentos,
e te revelas, meio sem jeito,
com palavras paridas a ferro
vindas do fundo de teu peito,
 
quando, vencida por algo que desconheço,
quase sussurras, colada a mim,
e tua respiração, teu hálito
roçam minha boca expectante e seca
com o mais delicado dos toques,
com o perfume mais sutil,
 
quando dizes, princesa, docemente,
o que te vai no coração
com voz compassada e suave
de criança entre séria e satisfeita,
entre curiosa e compenetrada,
então mais me atinges, e mais no fundo.
 
É quando mais me tens, incondicional,
em todas as partes minhas e membros e veias;
é quando mais me invades,
e nada deixas ao acaso.
 
Sinto que a vida enfim revolteia,
numa estranha e mágica alquimia...
Me penetras, descuidada,
pele adentro; e a teia
-de-aranha que me habita
se desfaz, fujona, alarmada
com a doce invasão.
 
E meu coração responde, e
te reconhece, satisfeito;
e a fantasia feérica e incontida
sobrenada nos meus pântanos
mais profundos.
 
Na atmosfera por ti criada,
me conduzes por novos mundos,
e o que resta de mim vira teu nome,
vira teus cabelos, tua alegria, tuas cores
e sons e cheiros.
 
E o que era meu, unhas, dedos, língua,
minhas mãos e pés cansados,
e a cabeça e os joelhos,
e minha cara toda e
meu pênis e pelos, querida,
viram também você...
 
 ... e nossos signos se fundem, contentes,

como se leoas e capricórnios pudessem,
pacíficos, olhar pr'o mesmo futuro.
Então, novos sons me invadem, diferentes, e
tudo o que me faz ser, o que eu mesmo sou,
se liquidifica:
 
a minha mania de abrir sempre janelas,
de fugir com medo dos meus becos escuros,
aquilo que me identifica e circunscreve
deixa de ter peso, turbilhona, vira ar,
vira teu corpo, tua presença e mente,
e eu te vivo, princesa, com sofreguidão e êxtase;
feliz e intensamente.

Nesses raros momentos,
entre pacífico e exaltado fico,
quase perfeito, nada p’ra completar,
vazado, pleno, simples,
estático, vencedor, consciente.
 
Só meus olhos ficam indeléveis
nos teus, solitário no meio das gentes
e irremediavelmente apaixonado por ti,
quando falas baixinho ao meu ouvido,
"gosto muito de você."


 

Para a minha Musa.

Armação dos Búzios, Rio de Janeiro