MEMÓRIAS DA CIDADE ONDE VIVO

 

 

 

 

MEMÓRIAS    -   A cidade onde vivo...

 

      Itanhaém, cidade onde vivo há quase 50 anos, não é mais a mesma, embora continue linda e seja uma das mais cobiçadas praias do litoral paulista, pelos turistas, no verão.

      São tantas e tão doces, as lembranças...

      Final dos anos 60.

      O apito do trem que chegava de Santos naquela morna  tarde de sol,  era como um chamamento para os moradores da singela “ Pedra que canta”. A pequena estação  à beira mar, sempre entrava em ebulição nessa hora e de todos os cantos chegavam jovens, idosos com crianças, adultos apressados, todos querendo, saltar do trem, pegar o trem, encontrar alguém, paquerar ou simplesmente bisbilhotar aquela rápida movimentação de pessoas que regressava ou  partia atrás de seus sonhos .

      Não me lembro se por acaso, só sei que estávamos lá naquela tarde ensolarada do dia 19 de julho de 1969. Minha irmã Graça, Catarina (uma indiazinha Tupi-guarani) nossa amiga de infância e eu, de férias de um colégio interno de freiras, da cidade interiorana, Lorena.

      Esse dia foi um marco na minha vida, um divisor de águas.

      Lembro-me que começamos a trocar gracejos com três rapazes e que quando o trem partiu, pareciam nos seguir. Mais tarde descobri que moravam no mesmo bairro onde me hospedava.

      O Namoro com Luiz engrenou quando à noite nos encontramos no “ Balaio de Gato ”, onde aconteciam as festas juninas que arrecadavam dinheiro para o  “Eca”, Esporte Clube Anchieta que conseguiu vencer as barreiras do tempo e permanece lá até hoje. Era um barracão coberto de sapé, com chão de terra batida, onde comíamos pratos típicos, bebidas como o quentão e vinho quente, dançávamos quadrilha e outras danças, ao som das músicas da época, hoje conhecidas como bregas. Era uma alegria só. Lá, conhecíamos pessoas, ríamos e nos divertíamos pra valer.

      Em pouco tempo tomamos uma decisão, nos amávamos e queríamos casar. Mas para isso tinha que trabalhar para também  ajudar com as despesas na casa da minha irmã Zélia onde passei a residir. Minha mãe,  morava em São Vicente, muito longe naquele tempo, o trem demorava mais de duas horas para lá chegar. Perdíamos um dia de viagem porque vinha de madrugada de Juquiá indo até a Estação Ana Costa em Santos e  Passava na volta, em São Vicente lá pelas 4 horas da tarde.

      Meu primeiro emprego foi na loja da “ Dona Lina “, muito procurada pelos, que lá encontravam cartões postais da cidade, bibelôs , pequenas lembranças e artigos religiosos, dentre eles terços confeccionados por nós.

      Veio o segundo emprego. Ia trabalhar na “ CTI “, Central Telefônica  de Itanhaém cujo proprietário era o Seu Paniquar, ilustre personalidade, pois sua empresa era de grande importância econômica para a cidade.

Antes de ir, fui chamada num canto por Dona Lina que me perguntou se eu sabia que a telefônica não era um local apropriado para uma jovem como eu, vinda de um colégio interno. Ser enfermeira ou telefonista naquela época não era bem visto por muitos por conta  dos plantões noturnos que as moças faziam. Fiquei meio apreensiva no começo mas queria casar e isso significava que precisava de um salário melhor.            Fui trabalhar mesmo assim e lá fiquei sabendo que uma das regras do Seu Paniquar era de que suas funcionárias não podiam ser casadas. Essa situação traria problemas com os maridos que se enciumavam de suas esposas saírem à noite para trabalhar. Muitas delas eram amasiadas. Não casavam no papel para não perderem o emprego.

      A telefônica foi um lugar de muito aprendizado, muitas descobertas. Trabalhávamos em frente à um enorme painel cheio de cabos que se interligavam para que fizéssemos as ligações entre os telefones residenciais e interurbanos. Toda e qualquer conversa passava pela telefonista de plantão, com um detalhe, podíamos se quiséssemos, ouvir toda e qualquer conversa que passava pelo terminal. Não fazíamos isso, podíamos perder nosso emprego caso fossemos flagradas ouvindo a converso do cliente que estava do outro lado da linha.

        São Paulo e outros lugares mais distantes do Brasil, na maioria das vezes, faziam turistas, comerciantes e pessoas comuns,  esperarem por até 4, 5, 6 horas para falar.  Só as pessoas de posse tinham em suas casas o cobiçadíssimo aparelho telefônico onde a espera era a mesma.

Lembro-me que o da casa do Seu Paniquar era o número 1234.

       Falar com o exterior então era um Deus nos acuda. Ficávamos apavoradas pois tínhamos que nos comunicar com a telefonista do outro país. Quando tal acontecia chamávamos a telefonista chefe para nos salvar da situação.

      Em 18 desetembro de 1971 o amor falou mais alto. Realizei o sonho de toda jovem da época : casar, ter filhos, uma casa para cuidar e esperar o marido no fim da tarde, cheirosa e bem humorada. Mas quando “ A miséria entra pela porta, o amor sai pela janela” – dizia minha mãe. Antes que isso acontecesse voltei a estudar e realizei um sonho de infância: ser professora.

      Luiz que no começo do namoro era salva vidas, foi ser motorista de caminhão na Prefeitura de Itanhaém, profissão melhor remunerada e muito atrativa para os jovens que não conseguiam estudar, por serem pobres.

Sua função  era na maioria das vezes, carregar areia retirada das praias para aterrar ruas e terrenos  por toda cidade. Era uma atividade comum no litoral. Os governantes não tinham noção dos malefícios que estavam causando à natureza. Se  tinham, fechavam os olhos para tal.

A Mata Atlântica foi ferida mortalmente nessa época por conta das invasões e aterros desvairados.  Com o progresso chegaram os paralelepípedos e o asfalto. A cidade cresceu e foi perdendo sua originalidade. Na verdade, o preço do progresso foi alto demais.

      Amadureci na profissão de professora, a cidade amadureceu também, evoluiu.

      O trenzinho que vinha “ Lá da Ana Costa “ como diz a música, não apitou mais.

A rodovia foi ficando entulhada de caminhões, devido a necessidade do transporte de materiais que um único trem de carga  levaria tranquilamente. Ô nibus e carros trouxeram os congestionamentos dos fins de semana.

      O Centro em frente à Igreja Matriz de Santana perdeu o seu viço.

      O calçadão tomou o lugar da fonte luminosa que enchia de cores o olhar dos casais que namoravam e observavam o pulsar da cidade lá do alto do Convento. Inúmeras  vezes fui lá com Luiz para vislumbrar o mar nas tardes de verão e fazer planos para o futuro. Não havia perigo algum. Hoje mal podemos sair no portão de casa.

      O futuro trouxe o progresso que nos atropelou.

      Mas continuo amando muito Itanhaém, “ Pedra que Canta” e encanta. Cidade que me acolheu e me ajudou a escrever minha historia.

                                         

 

                                  Maria Isabel Sartorio Santos – Maio 2019
 

 

Maria Isabel Sartorio Santos
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