O ALARME FALSO- (CONTO)

O ALARME FALSO- (CONTO)

Anésio era um homem sistemático, sim, e também avarento, e muito ! Seus cinco filhos que o digam, pela convivência de anos, aguentando o velho já viúvo. Além das manias costumeiras, bastava que alguém acendesse a luz que ele desligava o interruptor,pretextando qualquer desculpa, na dúvida o fazia mesmo que alguém estivesse precisando da claridade, escusando-se pelo incômodo, e deixando ciente que estava à postos; melhor que desperdícios inúteis.O discurso de anos, a reação diante a pratos com muitos restos de comida, repetindo que deve-se comer com parcimônia e não com os olhos, deixando no recipiente apenas o que fosse consumir, e, em havendo necessidade que se repetisse, nunca jogasse alimento fora.Verificava pessoalmente os resíduos nos copos, quanto café, leite e sucos restantes nos vasilhames, um horror ! Brasileiro era povo que nunca tinha passado por graves crises, nem guerras longas, nem cataclismos como tantos povos que valorizavam o que tinham e davam importância às coisas. O mesmo com a água, agravada pela crise hídrica, alardeada pela televisão. Comprou uma bacia enorme, e exigia que o banhista ficasse  em pé nela, sob o chuveiro durante o banho, para posterior utilização na descarga do banheiro, o restante acondicionava em pequenos baldes para uso posterior. Agora estava cheio de razão, pois até no noticiário aconselhava-se tal procedimento, o que ele, orgulhoso, repetia a todos: - Não dizia ?! Também ficava atento ao uso do papel higiênico, argumentando que a limpeza íntima não necessitava de tanto papel gasto, cada vez mais caro,  só o suficiente; ao que os outros, entre si, ironizando,comentavam que  a depender do pai usaria o verso limpo, depois de secos. Mesmo com todos cooperando nas despesas, e o poupando de maiores gastos, fazer compras de supermercado era uma maratona demorada, comparava preços de todas as marcas, isso quando não visitava vários estabelecimentos à cata de promoções e menores preços. Ninguém gostava de acompanhá-lo, era realmente inconveniente.

Fechado em segredo quando o assunto era dinheiro, pouco gastava de sua minguada aposentadoria; ia, pessoalmente, ao Banco conferir o saldo de sua poupança, mensalmente. Não usava o telefone para isso, fazia questão de ir, já que não pagava condução. O saldo só foi conhecido pelos demais quando o médico o aconselhou a ter uma conta conjunta, devido à saúde que inspirava cuidados. Assim, antes da decisão, ficou um bom tempo ponderando consigo mesmo sobre a quem depositar sua confiança, havia senões a cada um dos filhos, mesmo que imaginários, pois nunca deram azo à desconfianças. Por fim, resolveu dar uma procuração, a ser usada em caso de sua falta  ou impedimento de se locomover, para a Mariana, que não era a mais velha, e o que gerou ciúmes dos outros. Só então conheceram o resultado financeiro de tanta mesquinharia de anos, os R$ 25.000,00 economizados. Embora tentassem disfarçar, a contabilidade na mente foi automática, R$ 5.000,00, na partilha para cada qual.

Então, em conversas esparsas, não raro escapava o que cada um pretendia  fazer de sua parte, mesmo com o velho pai vivíssimo... E todos olhando todos com reprimendas, para o que, no íntimo, pensavam. Alguns, até, já contavam com a parte para débitos já existentes, dívidas crônicas, rolagem de  cartões de crédito e de cheques especiais, eternamente postergados, a juros escorchantes.

Olhava de soslaio para todos, como se imaginando alvo de atenções da prole, embora tudo estivesse cristalino, não havendo razões para diferenças, até a importância dava conta exata. Em verdade, gerou respeito, pois eles, ganhando bem mais que o ancião paterno, não tinham nada em conta poupança, enquanto ele amealhara razoável importância se comparada aos seus parcos vencimentos de aposentado. Ou seja, passaram a respeitar as manias do progenitor, por evidenciar-lhes o mérito de ser econômico.

Tempos depois, após uma crise aguda, disfunção cardíaca congênita, os filhos foram informados pelo médico que o óbito poderia ocorrer a qualquer momento, havendo poucas chances de recuperação da saúde.

Foi o que levou os quatro irmãos a pressionar a procuradora para que liberasse a parte de cada qual, e que não haveria sentido em manter o dinheiro preso, visto o alarme médico. Então tal se deu, a cada qual a importância devida.

Mas, para surpresa de todos, o enfermo teve alta, veio até mais revigorado e exigente, indo, assim que possível, até a agência bancária onde tomou conhecimento da partilha antecipada, e da conta, de anos, zerada.

E, aos berros, diariamente, intimava a Mariana, pelo que havia feito com o seu dinheiro, obrigando-a a indispor-se com os irmãos, encarregada que fora de restituir as economias de seu pai, recolhendo de cada qual o valor devido, e já gasto.

Em certo dia, não aguentando a pressão cotidiana, gritou sem pejos:  O Senhor, além de não morrer, conseguiu subir todos os degraus da agência bancária para se informar de seu saldo, que inferno !!!

*** Morreu três meses depois, após infernizar a vida de todos para reaver suas economias.

*** Selecionado para publicação em livro de antologias de contos, editora CBJE - Rio de Janeiro, RJ.