0 - PRELÚDIO

Nasce então outro crime sublime
Na escuridão extrema de um beco
Dos subúrbios de uma metrópole
Um novo caos qualquer, sem qualquer importância

Dos corredores de tensão diária
As pressões individuais são meros detalhes
A um olhar brando, curioso e inesperado
Independente daquele que tome a ação

A feracidade do homem o castra aos olhos
Cegando lentamente, levando quase a vida inteira
Até tudo se tornar monocromático
Sem variação, vida, veracidade ou beleza

Então não é mais o que sempre parecia
É apenas o traço da multidão;
É apenas o escopo da esperança;
...
...
...
É apenas outro dia...

I - PRIMEIRO OLHAR

Pescando alguma felicidade alterada
Alcanço o copo que ostenta uma sujeira familiar.
Gotas de álcool ao fundo e nelas pesco outra vez
Mas falho... Como toda tentativa ao acordar
 
Recordo que ainda me resta outro dia
Recolho meus cacos de motivação e levanto
Retoco tudo em um só pedaço, meu corpo.
E marco em direção ao asfalto
 
Rostos desconhecidos brevemente me encaram
Rostos evasivos se escondem
 
Rostos amigos exaltam
Reparo e guardo cada uma das feições do homem
 
"Rotas definidas, caminhos preenchidos"
Engulo minhas palavras e encerro meu primeiro olhar
 
 II -  COMO ME VEJO

Sou o escombro de um passado
Cacos de um sujeito esquecido
Das sobras de um sonho quebrado
Um sobrevivente de mim mesmo

Consumo os restos das ruas
Consumo sobras do desperdício
Consumo dos resquícios da boa vontade
Consumo o que falta ser consumido
 
Mais que o mundo espera que eu seja
Muito menos que meus desejos diários
Sou eu me abrigando na sobrevivência

Sou eu mais um filho revolto da vida
Um espectador da rotina dos homens
Na espreita tempestuosa das ruas

III - PENSAMENTOS QUEBRADOS

Do contraste entre pena e perdição:
 
No encarar: gélido, a velha indiferença
                   sujo da ofensa
                           da existência
                                do meu ser

A paralaxe me persegue 
Se ergue
Segue
Me rende
Mais que se estende...

Ao nobre que sou
Me encobre o mundo,
Tão pobre mundo
Sendo nele nobre
Ser imundo como sou
E de tal mal
Sei que ao fundo
Todo mundo sofre.
 
Mas nada que me importe mais.

IV - ENFIM... AO FIM 
E com um cuspe carregado ao chão
Respondo por mais uma rotação da terra
E me despejo no meu repouso fétido
Sobre sonhos e sombras de edifícios.

Me resta apenas saborear da lua,
Pois das ruas já saboreei o lixo.

Enfim... 

Descanso e que venha outro dia.
V - EPÍLOGO 
 
Olhos fixos, num fascínio cintilar
Apontados ao céu estrelado
Ao ponto lado o véu estrelar
Apontar a ré da escura madrugada
 
Cinza e luminoso é o disco ao céu
Ranzinza e lamentoso é o seu observador
Estirado ao repouso fétido, ele a quer
Um contato entre a lua e o vagabundo.

Klaus Kly(kkcw)
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