VAMPIRO SEM CREPUSCULO, LUA NOVA E ECLIPSE, SÓ TOMA GROSELHA

Naqueles dias que a  Companhia de Força e Luz era  chamada pejorativamente de Companhia de Força e Lua dado o estado precário dos serviços de iluminação publica e o filme Drácula estava  em evidencia no cinema local, onde  hoje  há um banco , começaram a aparecer indícios de que um discípulo de Nosferatu  andava aprontando pelas ruas de nossa  pacata cidade.  Moçoilas,  algumas casadas e até alguns marmanjos  deram de aparecer com denunciativas marcas de contato com o dentuço. A  encrenca começou quando Desideria, uma loirinha bem apetrechada  de curvas e precipícios apareceu com o alvo e delicado  pescocinho com a marca inequívoca  de uma mordida. A mãe, loira, repassou ao pai, também  loiro, a informação, os dois perguntaram a danadinha de filha amada sobre o acontecido e ela, candidamente, jogou a culpa sobre o morcegão  europeu, deslavada mentira  na qual acreditaram. No diz-que-diz  de comadre a comadre de uma cidade avelhantada,  porem pequena, a noticia espalhou-se. Dai  para  frente foi um frenesi  de pescoços  avariados.
Não contavam porem os transgressores da moral e bons costumes com a figura do Ferrabrás da Justiça, guardião do bem e da ordem, reto e integro de caráter, colossal destroçador de antros imorais e libertinos, o ínclito delegado Dr. Felipão, dono da mais apurada técnica confessativa  aplicada a suspeitos. Encarregou-se ele, pessoalmente, de enfiar em cama de sete varas o pernicioso individuo.
Passou noites em claro, perambulou pelas ruas, dormiu nos bancos da praça, embarafustou-se cemitério adentro em noites  macabras  e nada. Interrogou  pessoas diversas dos oito aos oitenta, guardas noturnos, notívagos, mulheres de vida facil (Homens também) e conseguiu uma vaga imagem do apreciador de  pescoço alheio. As suspeitas convergiam para um  sujeito de estatura baixa, magrelo, cabeça com parecença de manga chupada, morador dos confins da cidade.  Montou campana noturna o doutor e logo acreditou tratar-se do procurado sugador de jugulares.
Os indícios: Saia regularmente em noites escuras e, como alma penada desaparecia, dando as caras quase  alvorada, usando longa capa. Fizera, segundo vizinhos fofoqueiros, curso de hipnotismo por correspondência no Instituto Aloprador(Seria usado para dominar vitimas?) e  atacados  informaram que entravam em estado de semi-sonolência ao toparem a criatura do mal.  Pai de numerosa prole comprava sempre nos botequins vizinhos regularmente  litros de  reles groselha (Seria para toma-la quando não encontrava  presas?).  Tais sinais foram interpretados pelo eminente investigador de que era ele, Zé Urtiga, o procurado Drácula tupiniquim.
Disposto a evidenciar a grandeza de seu feito convidou, o Dr. Felipão, jornalistas, fotógrafos, o padre, as beatas da congregação, pastores de templos evangélicos, médicos, prefeito, vice e presidente da câmara municipal, dois macumbeiros renomados, benzedores e afins. Um esquema digno de uma visita do Papa a cidade. À surdina, todos esperando o aviso do flagrante.
Enfim o grande dia. Chegara Zé Urtiga em casa quase no alvorecer e o aviso do doutor correu rápido como fofoca de perda de donzelice de moça de família. Arrancharam nas cercanias do barraco do Zé Urtiga policia civil e militar, o padre Aldemar (Que detestava rúcula),   entoando o credo, coroinha de incensário fumegante, beatas com réstias de alho, pastores orando forte, macumbeiros com espadas de São Jorge em punho, pessoal da imprensa falada e escrita (Não havia televisada, ainda), curiosos , enfim, uma cidade e adjacências reunidos para mandar as profundezas o distinto. Ah, um detalhe, houve até quem apareceu com estaca de madeira.
Tudo pronto. O Dr. Felipão, megafone em punho e voz de  trombeta de  fim  do mundo, ansioso e tenso, intimou:
- Saia de dentes para cima, de mãos para cima quero dizer,  desencaminhador da gente boa e santa da cidade.
Um Zé atônito rodou a tramela da velha porta  e,  cara de sono de muitos quilômetros,  topou  aquele povaréu, pestanejou, limpou os olhos remelados com fralda da camisa, sungou a velha cueca samba canção que descambara cintura abaixo   e perguntou encabulado:
- Que que hai, gente?
Flashes fotográficos, risos, murmúrios, gargalhadas, comentários, zoadas, maior quiproquó. No outro dia manchetes em letras tamanho família:
‘VAMPIRO DE...É BANGUELA (Não digo o nome da cidade por que amo muito o couro que tenho sobre  o lombo).
O delegado pediu transferência imediata não sem antes desancar o pessoal da cidade:
- Povinho mais safado dessa cidade, sô, sai por fazendo e acontecendo na maior sem vergonheira e no acobertamento dos mal feitos bota a culpa num pobre de gengiva careca.
Sabedor de que seu nome estava no jornal e que a fama viera cutucar sua porta, Zé Urtiga, agora conhecido no Brasil e no mundo, inclusive a Transilvânia, vampiro frustrado de boca carente de robusta dentadura que passou longe de suas posses e vontade apesar das promessas de muitos candidatos a prefeitura e vereança,  vestiu a carapuça e tornou-se se o preferido das mães ao administrarem medicamentos de paladar sofrível as crianças:
- Toma logo esse treco  ou chamo o vampiro municipal.
Soube-se depois que as saídas do Zé Urtiga tarde da noite eram para caça de tatu no intuito de dar um sustento melhor a pobre  família. A longa capa servia para ocultar os animais caçados,  tinha uma paura  danada de topar gente da Lei. A groselha era um aditivo a generosa cachaça para suportar as frias madrugadas. Até agora não se explicou  o hipnotismo. Fez o curso por  curiosidade ou tal conhecimento teve aplicação na pega dos bichos?
Gozou de relativa fama e bebeu muito à custa dela. Começou o mergulho rumo ao  ostracismo  quando aceitou um trabalho fixo como bituqueiro na lavoura de cana-de-açúcar em  conceituada empresa produtora de açúcar e álcool da região. Chegou a tal estado que foi visto  na funerária  “Viva la Muerte” tentando reconquistar a breve glória pechinchando um  caixãozinho, no que foi informado pelo atendente Junior Skife dos tramites burocráticos para que um vivente vá para o descanso eterno não remunerado. Perguntado sobre a necessidade do artefato não se fez de rogado, estufou o peito de cambaxirra e respondeu:
- Patroa embarrigada no fim de prazo, finzinho do mês vem a furo mais um vampirinho lá em casa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 

BUENO
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