Versos de Noite

 

Silhueta esquecida vaga solitária
 pela longa avenida emoldurada
 pela janela do quarto do apartamento.
 Andar feminino
 toca o chão em encantadora leveza.
 Não é rápido, não é lento,
 é uma espécie de flutuar metafísico.
 Não importa o que compõe o quadro,
 se faz-se cheio ou vazio.
 Prevalece apenas única,
 dona do olhar, posseira de versos,
 viajante das trilhas sensoriais do poeta,
 que a mescla em tintas de noite,
 que respinga tons de lua e estrelas.
 E para quem está estático
 Parece de repente invadido por movimento.
 O coração se enche de emoções,
 envia sentimentos
 aos mais longínquos pontos do corpo.
 O cérebro se livra da razão
 e vaga, disperso pela imaginação.
 São gestos construídos de silêncio,
 São toques mesclados de sensualidade.
 Um ritual de carinho
 que desliza livre pela epiderme.
 Sujeito e objeto numa única criação.
 O universo das ilusões
 brinca com os fatos da realidade.
 Silhueta de fêmea, imagem de flor.
 Flor em mutação que vira mulher,
 mulher que transcende
 e se faz ninfa, depois fada,
 para encantar-se como que anjo de luz.
 Perdido de si, encontrando-se distante.
 São passos que alinham-se no presente,
 para depois se dirigir ao passado,
 para então fingir ir ao futuro.
 Solidão de que está acompanhado,
 companhia que visita quem está sozinho.
 Renascem momentos, findam outros,
 mas a memória, as lembranças vivem.
 Ilha perdida em meio a grande oceano.
 Oásis de um deserto já esquecido.
 No vazio, a ironia despreza o cotidiano,
 e a silhueta caminha levando as horas.
 E o tempo desnudo foge envergonhado.
 O céu noturno ri dos viventes em transe,
 num planeta distante, numa estrela longínqua.
 Bem vindos e adeuses se mesclam
 em uma eterna comunhão do todo.
 E o poeta mergulha na noite,
 e a noite lhe abraça com paixão.
 E a silhueta de mulher a tudo domina.
 Ri de si, ri do evento,
 e sorri para o olhar que a espia.