COEXISTÊNCIA ENTRE O FOGO HUMANO, A ESTRELA DALVA E A LUA

                  COEXISTÊNCIA ENTRE O FOGO HUMANO,

                              A ESTRELA DALVA E A LUA
Nazaré, 26-11-1973
 
Sigo o meu caminho,
Estou fugindo de todos.
De repente, algo me impede a passagem.
Um algo invisível,
Um algo intransponível,
Uma coexistência negra
Como um tigre anti-humano.
 
É noite,
Olho para o céu,
Vem caindo uma chuva vermelha.
Procuro me abrigar.
Não por medo
E sim para meter medo ao medo.
Não para virar um sonho
E sim para sonhar
Que estou num sonho.
 
Fogo desprovido de Deus.
Deus, o dogma alheio.
Será que Deus viria
No meio de todo aquele fogo?
E se não viesse?
Resolvo mudar de assunto.
É muito mais lógico
Deixar Deus de lado
E pensar no fogo
Que caía sobre mim.
 
De repente o fogo desceu
E queimou uma rosa.
Essa foi a primeira.                                                                                                            
Era uma rosa vermelha
Da cor do nosso sangue,
Que agora escorria.
E era chuva de fogo.
E era chuva de sangue.
Sangue corria queimando,
Fogo corria sangrando.
A estrela Dalva brilha
É a única que permanece
A olhar a fúria dos homens.
Ela chora. Chora raios prateados
Com dó dos que morreram,
Com ódio dos que provocaram.
 
A lua brilha no céu.
Os agressores não reparam nisso.
Ela, com sua alvura virginal,
Chora ao ver os acontecimentos.
Ela, mais que a policia,
Que ao contrario desta,
Sabe onde é e sabe também
O que está acontecendo.
Eles apenas dizem:
O que vem de cima
É Deus quem está mandando.
 
Quem é Deus para amenizar o fogo?
Quem é Jesus para acalmar os homens?
Fico triste.
Acabo de saber o numero de mortos.
É um numero impressionante.
Ele é equivalente
Ao numero de poetas mudos,
Poetas e escritores,
Todos mortos por nada.
Pelo único fato e infelicidade                                                                                                            
De encontrar a inspiração,
Naquilo que existe e está ausente
Ou que não existe e está presente.
 
A lua, mais poética que nunca
Alegra-se ao terminar o massacre.
Mas se entristece ao ver
Tudo começar novamente.
E entra em eclipse.
E o massacre torna-se a acabar
E a lua fica lírica.
E a lua fica magnética.
A mediunidade é infinita.
Volto ao tempo de Marx,
Volto ao tempo de Aristóteles
Que é mais longe ainda,
Volto à fundação do Egito.
Tudo é atraso,
Mas tudo é calmo.
Os homens sabiam lutar.
Os homens eram humanos.
Lá estarei em segurança.
Lá, eu sei lutar.

GILBERTO NOGUEIRA DE OLIVEIRA
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