A grande avó Humanidade

Dessa anciã lenta e morosa
carente de cálcio, fósforo e memória,
ouve-se apenas o milenar resmungo.
Diariamente, um passo,
um rabisco nos livros de história.
Seja glória ou derrota
é no grito, é com morte,
mas com sorte se escapa.
Vai a velha a embalar os gênios,
dar-lhes a elevação do pensar
mas não raro, há de puxar o tapete,
muito cedo há de fazer-lhes voar.
É sabido que outros netos seus
se nutriram de longevidade indesejada
e preferiram delinquir em barbaridades,
esses, vão até a idade avançada!
E depois da idade avançada, para onde avançam?
O semáforo enguiçou no vermelho,
justo a caminho do céu,
mas vão eles pelo atalho sedutor
a sentir um súbito calor.
Praia, cerveja, garotas?
A descida pela serra está congestionada,
o feriadão atraiu muita gente.
A vó preocupada acende velas,
reza e tenta um contato mediúnico.
Tremor de corpo, voz alterada, conseguimos!
Um pedido de socorro:

- Queremos praia, cerveja, garotas.

Pedido indeferido, próximo!
Volta a velha desconsolada
a cuidar dos outros tantos.
Pensa ela em pedir ajuda aos cientistas espaciais,
pois de tantos, já nem cabem mais na casa.
É preciso mandar um pouco pro espaço
para dar cansaço também às avós marcianas.
Elas é que são espertas,
deixaram as portas e janelas abertas
mas nada nas panelas, nem água, nem ar!
Se grande é o coração de mãe,
o da avó está prestes a estourar.
Um enfarte! Uma ambulância!
Sem plano de saúde demora mesmo...
uma massagem cardíaca, três pulinhos, chegou!
Não tem quarto, nem remédio
e o médico está dormindo por ter dois empregos.
A consulta dura dois minutos.
Volta a vó para casa sequelada,
ela que já não andava direito,
agora precisa de ajuda para levantar.
Os netos correm indiferentes pela casa,
sujam os canteiros, destroem as hortas,
perdem os escrúpulos, o senso, as balas!
A velha convalesce na cama,
mas ainda não vai morrer,
tem muito ainda por fazer
no amor que é típico das avós.
Ela insiste, persiste, mesmo na vagareza.
Um dia há de ter forças, um dia ela levanta
e varre de sua casa toda a tristeza.
Toda essa tristeza.

Inspirada na poesia de Cid Rodrigues Rubelita "Tolo bicho-homem".

São Paulo