A BICICLETA-(conto)-

A Bicicleta
 
                    Novinha, vermelha, pneus balão, barra forte, sem marchas, que alegria, o brilho nos olhos era tão intenso quanto o sorriso inocente estampado na boca que não se fechava de tanta felicidade, a primeira bicicleta a gente nunca esquece, só tinha um pequenino detalhe, o tamanho da “magrela”, ela era enorme para o meu físico de “salsicha” e seria uma façanha dar uma voltinha naquele “dinossauro de rodas”, mesmo assim não me intimidei. Perto de casa a rua era em declive, tudo que eu precisava era montar na “danada”, pensei, vou pegar uns três tijolos, faço uma escadinha e pronto, pulo em “riba” e depois é só equilibrar. O ano era 1972, cidade pequena, interior, as ruas não eram pavimentadas, eu acabara de completar meu décimo primeiro verão e aquele foi um ano especial em minha vida, bom aluno, ajudava minha mãe com as tarefas domésticas e meu pai que era um sujeito severo porem justo sabia reconhecer os esforços de cada um de seus cinco filhos, não que eu fosse melhor que meus irmãos, o fato é que o meu currículo escolar era invejável e isso contava muito para o “Velho” que sonhava que um de nós viesse a ser juiz de direito ou promotor público. Coloquei um tijolo sobre o outro para fazer a tal escadinha enquanto a “ferrari’ aguardava junto ao poste de madeira que sustentava a lâmpada de iluminação da rua, único naquele quarteirão, o coração estava disparado, quase saindo pela boca. A ansiedade pela primeira volta, o suor que escorria pelo corpo todo, final de ano, nessa época o Sol é sempre mais quente, nada disso importava, dentro de poucos minutos eu iria sentir a brisa no rosto e o prazer de pedalar a “maravilha rubra”. Quando entreguei o boletim escolar nas mãos do “Velho”, pude ver o brilho em seu olhar, ele estava orgulhoso e manifestou-se com um grande e caloroso abraço erguendo-me do solo e rodopiando-me no ar como se tivesse ganhado um premio da loteria. Em seguida levou-me até a loja do “Seu” Francisco e disse que eu poderia escolher o presente, não titubeei e fui direto ao objeto de meu desejo. Não era um presente barato para um garoto de onze anos, mas meu pai tinha crédito e o “Seu” Chico facilitou o pagamento para ele. Meus dois irmãos mais velhos já tinham suas “magrelas” mas quando viram a minha ficaram morrendo de inveja, eu nem liguei, tinha feito por merecê-la. Com a ajuda do poste e os tijolos consegui escalar a “vermelhona”. Um pequeno impulso com os pés foi o suficiente para que ela se movesse e ganhasse velocidade na rua de terra batida, que na ocasião estava bastante fofa por falta de chuva, deixando à mostra os pedregulhos característicos daquele tipo de terreno, não me incomodei, se chegasse a cair o tombo não teria graves conseqüências, seriam apenas algumas raladas e uns arranhões já bastante comuns no meu cotidiano de moleque. Meus irmãos estavam  jogando futebol e o “campinho” ficava logo depois do final da rua. Sentado no “selim” meus pés quase não alcançavam os pedais da “criatura de rodas” então eu tinha que me levantar dele para poder pedalar e quando forcei uma pedalada mais empolgada o pé escorregou, eu estava de chinelos tipo  “havaianas”, aqueles que não tem cheiro, não descolam,  não soltam as tiras e não te seguram quando você está prestes a se arrebentar no chão. Tentei manter o equilíbrio, mas faltou experiência, era a segunda vez que eu “pilotava” aquele tipo de “equipamento” e não dei conta de segurar o desarranjo que se seguiu. O tombo foi inevitável. Poeira pra todo lado, cotovelos e joelhos em “carne viva”, mas não chorei, não ali, deixei para chorar na farmácia do “Seu” Joaquim quando ele limpou os ferimentos com água oxigenada e fez os curativos necessários. Meus irmãos “adoraram” quando souberam, eles diziam que eu tinha ficado muito “metidinho” com a “bike” e aquilo era bem feito pra mim, talvez eles estivessem com a razão, mas o fato é que logo que sarei pulei no “dorso” da “magrela” e fui me ralar novamente. Faz trinta e oito anos que isso aconteceu, mas sempre me recordo quando olho para meus joelhos e vejo as cicatrizes...
 
Pedro Martins
06/04/2011                       

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