A morte é o fim da vida (monólogo)

Já basta-lhe o desgosto de despertar vivo todos dias. A repugnante necessidade de alimentar-se desnecessariamente, sorrir desnecessariamente... - a fome é espiritual, o prazer é espiritual. O ódio é o resumo infindado da vida - a morte é o fim da vida.
É natural o ódio pela vida e a vida pelo ódio e o ódio pelo ódio.
Vozes que embrenham-se incompletas ao âmago, gesticulam quando não ouvidas. Palavras que singram insonoras lonjuras maiores que o espaço entre o céu e o inferno em direcções incertas.
Com os ossos quebrados encravados no cérebro tentando alcançar algum prazer invertido nos sentidos. Procurando se desculpar dos espasmos disordeiros. Debruçando seus desejos e prazeres - trocando por outros enigmáticos. O que quer é tânger-se em conforto em uma vala qualquer. O que quer é sorrir mesmo quando é dorido respirar.

Salienta-se no escuro o anseio de não ser decifrado - a diferença alardea-se nostálgica e lilás. Essas alienações marcham a velocidad da luz rumo a abjecção precoce.
A alma é viscosa, o sonho é viscoso, o universo completo é viscoso... A vida é horrenda.

Passa 1 segundo, uma hora, um século e a vida perdeu-se sem sonhar. E sobre órgãos mais rígidos que os dentes o desejo pela vida entorpece. Vagueia rumo ao infinito. Ao encontro do sonho. Ao encontro da morte.

Disponho-me a observar a insignificância deste viver: tenho medo de mim mesmo. Vida sem sonho é morte do vida.
Há ódio por esse pasmo, existência morrendo sobre si mesma. Há nojo e ao mesmo tempo amor. Há um desfecho oco e incompleto. O mesmo assombro e o mesmo critério de desgraçado insolúvel.
Minha alma navega a vela seus anseios. A alma estremece como um mastro hirto rumo a tempestade. Um tropel gritando aos sustos.

O anjo cá está e fede, ele que te engrandece me destrói... Ele cá está e ostenta suas negras asas plumantes.

Agora não sei mais que me prende aqui. Não sou nada. Sou um grão, sou o infinito, sou a morte sou a vida.
O que me prend são só palavras e pensamentos. A morte já não assusta. A coragem é que eu temo. O camesim da coragem é eu temo, a morte não. As ridicularidades da vida - o clarão e depois o escuro - não me premen mais.
Milhões de almas idas gritando arrependidas, secas como zumbís, inconscientes com a face desfeita.

Outro desejo incubiu este ser, que finge sorrir. E assim acabará toda essa vida. A hipocrisia desconhece extremos - estica-se do ínfimo de luz ao inacabável Negrume. Agora sou a maior questão de minha existência. Sou o maior paradoxo de minha existência. Sou o pesadelo de qualquer e todo espanto. Sou o medo aos gritos. Sou o absurdo aos risos.

E o desfecho acabará por tânger o presente. E o acaso e o pasmo reclamaram a vida que me fora cedida.