Se ocê acha que o povo da roça
É caipira, jeca, matuto
Num sabe o que tá dizeno
O povo da roça é isperto
É veiaco, é astuto!
Anda cum pé no chão
Sem ninhuma vaidade
Mas lava o pé e carça
Pra intrá lá na cidade.
A vassôra é feita cum mato
E cum a mamona faiz azeite
Na rôpa véia faiz remendo
Quarqué treco vira infeite.
Cum a cinza clareia os dente
Cum a cinza faiz o sabão
É só misturá cum torresmo
Ta pronta a cumbinação.
A páia que inrola o fumo
É a páia que faiz o cochão
É ela que faiz a peteca
É quela que acende o fugão.
O mio é guardado no paió
Dibuiado vai pro muim
Depois de muído e cuzido
No armoço é aquele anguzim.
A panela de ferro é usada
Pra no fugão de lenha cuzinhá
O fugão tamém é usado
Pra no frio a gente isquentá.
No arto, im cima do fugão
Toicim e lingüiça na fumaça
Pra acumpanhá o aperitivo
Que na roça é a cachaça.
O café é na cuzinha
Limpo e torrado
Passado no muim
Na hora de sê cuado.
Sexta-fêra, lenha no forno
Pra ele aquecê
É dia de fazê quitanda
Pra semana abastecê.
Bolo, pão, rosca e broa
Biscoito, rusquinha e bruinha
Pra acompanhá o café adoçado
Cum rapadura no pilão socadinha.
O doce é feito no tacho
Cum fruta, prá cumê
Lá na roça, ninguém faiz
Aquele tar que é pavê.
Na hora do banho de bica
Tuaia de saco pra secá
Passada cum ferro de braza
Que nóis deve assoprá.
A casinha é do lado de fora
Sem lamparina pra lumiá
Sem parede e teto ela permite
Que ocê admire o luá.
O povo gosta de um toque
Um toque bem animado
É só ouvi a sanfona
Que o rastapé tá cumeçado...
Na roça nóis num carece
De ter essa tar de invição
A pessoa num vale pro que trais no borso
Vale pro que trais no coração.
O povo num precisa de banco
Pra guardá nem um tustão
Pois o dinhero que tem
Guarda dentro do cochão.
Pra roça nóis vai de jipe
Saculejano sem pará
Se tem muito barro na istrada
Pra impurrá, nóis tem que apiá.
Se rocêro gosta de vida
Simpres, sem compricação
Eu prifiro sê rocêro
Sê da cidade eu num quero não...

Essa é a "roça "que eu conheci , que ficou na minha lembrança , a "roça "que eu morro de saudades ! Quanta coisa boa eu vivi e aprendi em Alto Rio Doce !

Santos Dumont , janeiro de 2005