Janus Inconsciente


5 de novembro de 1976
 
Janus Inconsciente
 
Nascem em ti
Os ramos dessa árvore,
Dúplice, mulher.
Já pressinto,
Vindas de não sei onde,
Essas flores,
Suas duas cores tão claras,
Teus dois perfumes.
 
Ambígua, cresce em mim
A sensação de ter-te visto e ver-te.
Imagens diferentes,
Não coincidentes no espaço,
Mas no tempo.
 
Sim, vejo-te.
Meus olhos trespassam
Tua carne vária e tépida,
E sob tua pele, gravado,
Encontro meu nome.
Reconhecer-me-á?
 
Surpreso, descubro
O segredo dissimulado em teus olhos,
A velada ameaça,
Ou será uma frase, a senha,
Para um código que desconheço?
 
A consecução suspensa de uma sentença
Moldada no contorno movente da tua boca,
Faz-me supor que, de algum modo,
Sabes mais
Do que pretendes insinuar.
 
Estará meu futuro,
Minha sorte,
Desde há muito traçado
Nas caprichosas linhas
Da tua mão?
 
Hesito.
 
Ceder agora ser-me-ia fatal.
Saltar dos teus penedos,
Num último vôo,
Etéreo arco de elipse,
Seria a minha morte
Em teu contínuo esquecimento,
Meu grande medo.
 
Múltipla, tua imagem,
A menina, a mulher,
O amor e a traição,
De contornos indefinidos e mutantes
Confundem-me.
 
Erro, semi-consciente e
Trânsido de frio
Pelas tuas cordilheiras.
Encontro-me,
Exangue e morto de sede,
Em teus escaldantes desertos.
Perco-me.
 
Dúvidas assaltam-me
A todo momento,
E pergunto-me,
Se já não te move o desejo
De jogar-me vencido,
Bipartido,
Às tuas incongruências.
 
Joguete.
 
No céu sem nuvens
Eleva-se alta agora a lua.
Serena, nasce em ti a noite
Sob o signo da dicotomia.
 
Em mim,
Vinda de não sei onde,
Sinto a surda agulhada do desespero.
Desconheço-te.

 

Uriel da Mata
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