DIA DE LOUCURA



 O tom rosa verteu-se em roxo.
 E o violeta quis violar outras cores.
 O dia devorou os resquícios da noite.
 Passos firmes esmagaram o chão.
 Uma garganta abriu-se em grito.
 E a demência alijou as asas dos anjos.
 O roto manto da madrugada
 já não cobriu os loucos.
 E uma árvore agonizou em dor.
 Mãos que ganharam unhas
 e se fizeram de possantes garras.
 O riso foi tomado de assalto pela ironia,
 e o imperial sarcasmo foi cruel com todos.
 Culparam-se os deuses de carne e osso,
 e os mitos de si caíram na própria desgraça.
 O céu, de raiva, lançou raios sobre a terra.
 E a terra, imprudente, lançou blasfêmias aos céus.
 Tensão num ponto qualquer,
 por demais insignificante para ser visto.
 Olhos choraram, e corações riram, alucinados.
 Uma pena, de dar dó, dolorida dor.
 Mãos sujas, um tribunal, todos culpados.
 Onde estão os inocentes?
 Vida que devorou os viventes.
 Teatro onde o drama era totalmente real.
 Homens e mulheres viscerais.
 Instintos, a franqueza bruta, primitividade.
 Espadas se atiraram contra os punhais.
 Correria. Olha a ladeira, olha o abismo!
 Cuidado com as palavras de pedra.
 Olha o buraco! O imenso fundo sem fim.
 Inferno dos trouxas, fantasmas insepultos.
 Competências superficiais.
 O ritual dos lambe-botas.
 Os úteis inúteis,
 fragmentados em pedaços,
 posseiros dos cacos do mundo,
 tirando a sorte, a desfolhar um trevo,
 a jogar dados, a embaralhar cartas.
 E a cartomante profética nada disse.
 Nem bola de cristal, nem sagrados búzios,
 nem místicas runas, apenas a desconexão.
 O caos reinante de um dia de loucura.

 

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Gilberto Brandão Marcon
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