Dona da verdade

 Sou daquelas cuja a razão 
comanda a existência
sou perita nas exatas ciências
excluo o improvável
não admito o erro
nem qualquer divagação.

Tenho os pés no chão
dos padrões da inquisição sou regente
e reagente dos distúrbios emocionais
tão banais que os pisoteio
e nego seus sinais.

Dona da verdade
marcho sem descanso
no concreto que me rodeia
ultrapasso alma e coração
e vou…

Sou fruto da essência radical
busco apenas o previsível
empacoto qualquer sinal de emoção
meço a vida em folhas de papel
traço a rota, escolho meu caminho
e conforme dogmas engessados 
esbarro nas paredes 
e na fria rede da convicção..

 
Nada me seduz
preferindo a certeza  à fascinação
não peregrino
sei de onde vim e para onde vou
mantenho o ritmo, não mudo…
nem deixo acelerar a emoção
transgredir o certo? 
desacatar a tradição? 

Não!
 
Há dentro de mim um lacre,
que só me deixa respirar
e que me faz calar o impossível
mantem-me segura 
casta e pura
sem as amarras da paixão.


E pra quê o coração?

Porque corre sangue em minhas veias
numa rota prevista e controlada
mas que sutilmente me prende na sua teia
quando o rubor do meu rosto encabulado
mostra que por trás da máscara da alegria
chora uma mulher solitária,
com medo da contradição…

 
Que se der um passo em falso
é capaz de sucumbir num turbilhão
deixar que a insanidade lúcida imploda padrões
incorra em erros, acertos, emoções…
e que basta só um sopro pra se entregar à paixão
enquanto eu teimo em dizer não…

Carmen Lúcia e Arlete Castro