O Mendigo
 
Cansado da burocrática vida
Dos que labutam, pagando os impostos
E chateiam-se com tecidos róseos,
Ou traquinagem e supérfluas dívidas.

O ex-cidadão largou tudo e foi à rua,
Viver do que ali achava, fez-se mendigo;
Chocava madames com suas agruras.
Gentil, não só olhava ao próprio umbigo

Por não ser um ignorante, ignorava,
Ou melhor, desprezava os arrogantes:
“Só quem é vazio valoriza insígnias”
Mas vaidosos veem nisso ignomínia.

Lembrou-se de enfastiosos panegíricos
Proferidos – pérfidos apedantados.
Agora só se dirigem ao cínico
Os que se encontram mal afortunados.

Abestalhados inculcam seus cultos
A outrem, mas não os vencem, nem se convencem.
Já o mendigo capta o jogo dos brutos;
Grátis recebeu aquilo que os filisteus
Diziam ser um mal: a vida frugal.

Colegas de praça o chamam de mindingo
E enfiam na orelha o dedo mindinho.
Respeitado e influente brada seu signo:
Por bagatelas é que não me indigno!

Pensamos nele como curva de rio
Da cultura que dispensa dispensando-se.
Gostamos de apontar à fuça o fuzil,
Somos déspotas como um Ferdinando.

Pretensiosa compaixão e seus ardis
Escamoteiam sentimentos viris
Tratam como vítima o sujo pedinte
E se comprazem, não estão lá entre os vinte.

Para de fingir indulgência!
Por que pensas que ele é indigente?
Algo escasso, insuficiente,
Alguém muito menos que gente?
Nem é ele o infeliz de nascença...

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